Flávio Bosco
Não faz muito tempo, o bagaço não passava de uma
sobra do processamento da cana-de-açúcar. Hoje a
venda de energia gerada a partir de sua queima representa,
em média, 15% da receita de uma usina de açúcar
e etanol. Foi ele quem trouxe ao setor o conceito de receita
fixa e contratos de longo prazo. Antes, era até dado de graça.
Agora, com o advento do etanol celulósico, passou a
experimentar uma valorização sem precedentes.
O dióxido de carbono – ou CO2, como é mais conhecido
o vilão do aquecimento global – começa a trilhar o
mesmo caminho. As pesquisas ainda estão restritas aos laboratórios,
mas já apontam a viabilidade de transformá-lo
em combustíveis e produtos químicos – um destino bem
mais nobre do que o enterro em reservatórios de petróleo e
aquíferos salinos.
Na Alemanha, a Bayer trabalha junto com a RWE Power
e a RWTH Aachen University no que vem sendo chamada
de "Produção dos Sonhos": a inserção de CO2 na cadeia
dos poliuretanos (veja reportagem na página 18). Há outras
iniciativas financiadas com recursos públicos para transformar
o que hoje é um problema em uma solução. Uma delas é um sistema que transforma o CO2 em metanol através de
um processo biocatalítico patenteado pela americana Carbon
Sciences. Na Universidade Estadual da Pensilvânia,
os pesquisadores partiram da conversão fotocatalítica para
transformar o CO2 em combustível.
E em Massachusetts,
os cientistas estão desenvolvendo uma rota baseada em eletrosíntese
microbial – que combina energia solar e microorganismos
em um processo semelhante à fotossíntese para
converter o CO2. Também por lá, a Novomer trabalha para usar uma tecnologia de catálise para reagir o dióxido de carbono
com epóxi para produção de policarbonato – para isso,
contou com um financiamento de US$ 18,4 milhões de um
fundo ligado ao Departamento de Energia. No Instituto de
Bioengenharia e Nanotecnologia de Cingapura, os pesquisadores
já usam catalisadores orgânicos para transformar o
CO2 em metanol. "O aproveitamento químico do CO2 é um assunto de
grande interesse em todo o mundo, e tem duas vertentes: o
uso como solvente supercrítico e na produção de solventes
ou reagentes orgânicos.
A utilização na síntese de carbonatos
inorgânicos já é tradicional e continua sendo explorada.
O uso como solvente supercrítico tem sido crescente pois,
além de bom solvente para muitos produtos, pode ser reciclado
com facilidade e não deixa resíduos", explica o professor
Henrique Eisi Toma, do Departamento de Química
Fundamental da Universidade de São Paulo.
Os primeiros resultados são bastante promissores. Só isso. Ninguém se arrisca a cravar uma data para que os primeiros
produtos feitos a partir do CO2 comecem a jorrar
em escala industrial.
O grande desafio está justamente na
catálise: a baixa densidade de energia do dióxido de carbono
tem impedido a aplicação desta tecnologia em qualquer
tentativa de colocar o CO2 em uso prático. "Uma aplicação
industrial do processo que está sendo estudada não é esperada
para antes de 2015, diz o gerente do projeto "Produção
dos Sonhos" na Bayer MaterialScience, Christoph Gürtler.
Iniciativas como essa se juntam ao conjunto de soluções
que um mundo obcecado por práticas ambientalmente corretas
quer dar para o problema mais alarmante da década.
Aqui no Brasil, a pesquisa vem sendo liderada, obviamente,
pela Petrobras, em conjunto com 18 universidades.
Os pesquisadores da Rede Temática de Sequestro de Carbono
e Mudanças Climáticas consideram em seus estudos desde
a produção de ácido ascético até metanol e etanol – que
poderiam ser utilizados como combustível ou transformados
em olefinas. Outra rota – alguns passos mais à frente – estuda a conversão biológica do CO2 em biomassa através
de microalgas, seguida de gaseificação para produção de
biocombustíveis sintéticos.
Pode até ser que a resposta acabe tomando um rumo
bem diferente das rotas perseguidas até agora. Nem será nada surpreendente que a solução para as emissões de gases
de efeito estufa resulte da convergência de várias áreas– como a engenharia química, biologia e eletrônica, igual ao
que ocorre com a nanotecnologia – ou até mesmo o armazenamento
em reservatórios geológicos.
Ou que a demanda não absorva todo o
dióxido de CO2 que precisa ser retirado
da atmosfera. Mas qualquer que seja a
resposta, ela será crucial para garantir
a própria sobrevivência do planeta.
Os efeitos colaterais da emissão de
CO2 pela queima de combustíveis fósseis
para a geração de energia e transportes já colocaram o
mundo em sintonia com a tal da "economia de baixo carbono".
Um recente estudo da ONU que buscou mostrar o impacto
dos danos ambientais na economia, calcula em US$
6,6 trilhões que o estrago causado pela atividade humana em
2008 – a quantia é cerca de 11% do PIB global.
A projeção é que esse valor suba para US$ 28 trilhões até 2050, o que
equivale a 18% do PIB global. As emissões de GEE representam
cerca de 70% de todos os impactos ambientais analisados
no relatório – os 30% restantes são causados por captação
de água, poluição, resíduos em geral, pesca predatória,
extração de recursos naturais florestais, e outros serviços que
dependem do ecossistema.
O Global Carbon Project estima que as emissões globais
de CO2 atinjam seu recorde este ano. Estatísticas do Programa
Ambiental da ONU indicam que o mundo emitiu em
2005 cerca de 45 gigatoneladas de CO2e – uma métrica que
considera todos os gases de efeito estufa – com o risco de ultrapassar
as 56 gigatoneladas de CO2e em 2020. Só no Brasil,
que ocupa a quarta posição no ranking dos países que mais
emitem CO2, as emissões passaram de 1,4 gigatoneladas – CO2e em 1990 para 2,192 gigatoneladas de CO2 em 2005.
Segundo o inventário do Ministério da Ciência e Tecnologia – o setor de energia e a indústria são responsáveis por 15% e
3% desse total, respectivamente.
A Nasa informa que 2010 teve os primeiros nove meses
mais quentes da história. Sem a mitigação dos gases, aumentam
os riscos de danos ambientais.
E a cadeia do petróleo, que carrega parte da culpa, busca
uma forma – econômica e ágil – de se apresentar como parte
da solução do aquecimento global. Ainda em escala pequena,
o CO2 já é utilizado para elevar a produtividade de campos de
petróleo. Reunidas em um projeto multicliente batizado de
CO2 Capture Project – CCP, as petroleiras buscam otimizar
todo o processo – a captura e sua eficácia são conhecidas, o
desafio é fazer isso de forma mais barata.
O CO2 representa
apenas algo entre 8% e 12% dos gases exaustos nos processos
industriais, e para extrair uma tonelada, as empresas gastam
de € 50 a € 60. "Por enquanto, ainda é uma alternativa cara
mas, como tudo o que é novo, é natural que assim seja – e a
tendência vai ser de redução de custos", avalia a professora
Suzana Kahn Ribeiro, Coppe/UFRJ.
Demonstrar preocupação com o futuro do planetaé também uma forma que o meio corporativo encontrou para
garantir seu futuro. A relação entre o negócio e o meio ambiente
ficou muito mais complexa.
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