Flávio Bosco
A onipresença da Petrobras no
faturamento de vários setores
cresceu ao longo dos últimos
anos. 30% do Programa de Aceleração
do Crescimento - PAC estão sob
a responsabilidade da petroleira. Em
meio à maior crise econômica global
vista em 70 anos, quando os planos
de investimentos desenhados por todas
as outras empresas balançavam,
a Petrobras anunciou um crescimento
substancial no número – e no valor – de seus projetos.
Com esse peso,é natural que cada real por ela investido
afete o dia-a-dia de 77 mil empresas – direta ou indiretamente seus passos
influenciam esse grupo de fornecedores
não apenas financeiramente, mas
também na qualifi- cação: as exigências
feitas nos contratos acaba puxando
para cima a performance de suas
contratadas, a começar pelas empresas
de engenharia.
Essa influência está ainda mais
clara desde quando a Petrobras passou
a comparar o desempenho das
empresas de construção industrial – e
constatar que as empresas brasileiras
estavam bem atrás do que pode ser
considerado competitivo no mercado
internacional.
A petroleira e as
empresas de construção e montagem
agrupadas sob a Associação Brasileira
de Engenharia Industrial - Abemi
sentaram e, juntas, vêm discutindo a
adoção de novas práticas para elevar
o desempenho na implantação dos
empreendimentos. Afinal de contas,
com um ambicioso plano de investimentos,
a Petrobras dependerá cada
vez mais desses fornecedores para
manter a sua performance.
Há indicadores – como o custo
médio dos poços e das unidades de
produção offshore – em que a Petrobras
consegue ser mais eficaz que a
média internacional.
Mas comparando
o desempenho de projetos similares
internacionais, os técnicos da
Petrobras verificaram que o trabalho
feito por uma empresa epcista nacional
demora mais tempo para ser concluído – ocorrência grave num setor
em que os concorrentes estão espalhados
pelo mundo. "Temos muito a
evoluir em muitos campos como, por
exemplo, aumentar o nível de automação
em nossos processos de corte, soldagem e pintura", explica o coordenador
do Centro de Excelência em
EPC, Laerte Santos Galhardo.
Não é muito difícil entender os
motivos que abriram esse descompasso:
a míngua de obras das décadas
de 80 e 90 fez a engenharia nacional "virar suco" – a maior lembrança desse
período é uma lanchonete chamada "O engenheiro que virou suco",
montada na capital paulista por um
engenheiro desempregado. Enquanto
os americanos e os europeus passaram
as últimas duas décadas buscando
novas técnicas para atender
a uma demanda que não parava de
crescer, as empresas brasileiras não
tinham fôlego para se manter tecnologicamente
atualizadas – sem contar
que, nesse vácuo de demanda, quase
todo conhecimento acumulado com a
construção das primeiras plataformas
instaladas na Bacia de Campos e das últimas refinarias inauguradas no país
foi, sistematicamente, se perdendo. "Ao final da década de 90, os investimentos
começaram a ser retomados,
mas com um nível muito grande
de insegurança. As empresas brasileiras
não sabiam se aquilo dito iria ou
não acontecer.
Depois apareceu uma
filosofia de que a Petrobras teria que
comprar onde fosse mais barato, e as
plataformas eram feitas em Cingapura,
China, Coréia e Espanha. Uma indústria
que estava muito enfraquecida,
por não ter trabalho durante duas
décadas seguidas, não poderia ser
competitiva de uma hora para outra
se não tivesse capacidade de exercitar – e muito menos uma visão de longo
prazo", explica o presidente da Abemi,
Carlos Mauricio de Paula Barros.
Aquela época em que os engenheiros
recém-formados iam parar no
mercado financeiro ficou para trás.
A
expansão da economia inverteu o problema
e hoje as empresas já enfrentam
dificuldades para encontrar engenheiros – um estudo apresentado pela
Confederação Nacional da Indústria
estima que o déficit anual já beire os
30 mil profissionais. De 2003, quando
a Petrobras resolveu construir no país a
primeira plataforma semi-submersível,
até 2008, as empresas de engenharia
industrial viram a quantidade de encomendas
aumentar oito vezes. Na área
de Engenharia da Petrobras, por onde
passam todos os projetos da empresa, o
volume de trabalhos cresce a um ritmo
de 30% ao ano. "Quando retomamos a
construção das plataformas no Brasil,
estávamos de frente com o mesmo problema.
Hoje pelo menos temos programas
de qualifi cação de mão-de-obra e
de melhoria da produtividade, estamos
investindo em infraestrutura e temos
um planejamento bem elaborado", avalia
o gerente-executivo de Engenharia
da Petrobras, Pedro Barusco.
O maior desafio agora é fazer
mais – e mais rápido. Essa é a bandeira
encampada pela petroleira. A
construção da P-51 e da P-52 em um
estaleiro nacional foi apenas um tranco
no carro que estava com a bateria
arriada. Agora que o automóvel está andando, precisa alcançar a mesma
velocidade dos concorrentes internacionais – haja visto que nenhum casco
para FPSOs, o tipo de plataforma
preferido da Petrobras, foi convertido
no país. O segredo todo está na articulação
de todos os agentes – que tem
seu maior expoente no Programa de
Mobilização da Indústria Nacional de
Petróleo e Gás Natural – Prominp.
A própria petroleira tomou medidas
corretivas para elevar a produtividade na tentativa de melhorar os
indicadores de custo e prazo.
Mudou
a forma de contratar seus empreendimentos – com pacotes menores,
abrindo chance para um número
maior de fornecedores. Um trabalho
desenvolvido pela área de Engenharia
da Petrobras e pesquisadores da
UERJ e da UFRJ detectou que, nas
obras de downstream – que inclui o
refino e o transporte – o trabalho efetivo
de soldadores e montadores corresponde
de 40% a 50% do seu tempo total.
Até aqui, nada muito diferente do
que apontam os indicadores do Independent
Project Analysis - IPA ou do
Construction Industry Institute - CII,
referências internacionais em construção
industrial.
Mas não deixa de
causar espanto em qualquer gestor.
O estudo analisou as frentes de
trabalho em várias obras e disciplinas,
medindo a produtividade e o tempo
efetivo dos operários com a "mão
na ferramenta" em relação ao tempo
gasto com as instruções para a tarefa,
espera por material, movimentação
e permissão de trabalho. Existe uma
série de fatores que afetam a produtividade
dos empreendimentos, que
começa no planejamento, passa pela
complexidade do empreendimento e
pela qualificação da equipe, e vai até a gestão da segurança operacional. "Em conjunto com as empreiteiras,
analisamos as causas e são tomadas
medidas corretivas para aumentar
este percentual e, como consequência,
a produtividade. Há casos em
que se consegue aumentar o tempo do
operário em trabalho efetivo em mais
de 20%", comenta Laerte.
Em parceria com a Universidade
Federal Fluminense a Petrobras está implantando um laboratório de métricas
de desempenho, que permitirá a auto-avaliação das empresas brasileiras
com as médias de empreendimentos
similares – fruto do Projeto
E&P 27.5 do Prominp, esse laboratório
será alimentado com indicadores
de custo, prazos e consumo de mão-de-obra em várias obras no país. Laboratórios
específicos para obras de
refino, dutos submarinos e dutos terrestres
serão implantados em parceria
com outras universidades e usando
a mesma metodologia. "No futuro
estes laboratórios serão integrados a
outros, nos EUA, Canadá, Noruega
e Ásia, e assim poderemos comparar
nossa produtividade e custos da construção
como se fosse uma commodity",
adianta o coordenador do Centro
de Excelência em EPC.
A mais recente radiografia do setor
de construção industrial no país
acaba de ser apresentada pelo Prominp:
o Projeto E&P 27.4 concluiu
que a produtividade das grandes empresas
internacionais supera a média
nacional porque lá fora os conceitos
de modularização e pré-fabricação já foram assimilados, o grau de automação é maior e a chamada construtibilidade
já está consolidada. Após visitar
cinco canteiros de obras no Brasil e
estaleiros na Noruega, Cingapura,
Coréia do Sul e Malásia, a equipe de
pesquisadores concluiu que as empresas
brasileiras precisam modernizar
suas instalações, comprar máquinas
com tecnologia de ponta e desenvolver
metodologias que tornem a produção
mais eficiente.
No estudo, foram comparadas sete
disciplinas: corte e soldagem de estruturas
metálicas, tubulação, pintura,
organização da produção, modularização,
movimentação e içamento de
carga e SMS. A engenharia nacional
só alcança o benchmark internacional
nesse último quesito, e isso por conta
das rígidas exigências.
O ponto mais
crítico está na adoção de práticas ultrapassadas – a maioria dos problemas
encontrados está associada a defasagem
tecnológica de equipamentos,
estratégia de construção e a já famosa
capacitação de mão-de-obra.
O professor Miguel Luiz Ribeiro
Ferreira, que esteve à frente do estudo,
explica que, no exterior, a quantidade
de pré-fabricação e modularizaçãoé bem mais avançada porque os equipamentos
de movimentação e içamento
têm maior capacidade. "Na Coréia
do Sul, um estaleiro da Samsung tem
quatro diques-seco, com guindastes
de altíssima capacidade e toda uma
infraestrutura capaz de viabilizar com
que ele diminua a quantidade de serviços
no canteiro".
Não é só isso: a quantidade de
encomendas garante ao Samsung
manter os mesmos empregados por
um tempo maior. No Brasil, a falta de
encomendas foi justamente o motivo
que afastou milhares de trabalhadores
do setor, provocando um vazio entre a
geração "cabeça branca" e os jovens
recém-formados que não têm experiência
com a prática da produção.
Essa questão, pelo menos, já está encaminhada pelo Prominp. Na primeira
fase do Programa Nacional de
Qualificação Profissional - PNQP 78
mil pessoas passaram pelos cursos
de capacitação – 4500 deles são engenheiros
que passaram por uma especialização
para trabalhar no setor.
O cruzamento do banco de dados do
Prominp com o Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados, do
Ministério do Trabalho e Emprego
revela que 89% desses profissionais
estão empregados. Numa segunda
fase, ainda em formatação, o PNQP
terá R$ 124 milhões para treinar mais
37 mil profissionais – que, além dos
empreendimentos da Petrobras, também
serão capacitados para atender a
demanda da cadeia de fornecedores.
Até 2013 o Prominp estima que será necessário qualificar 207 mil pessoas,
em 185 categorias profissionais.
O crédito é outra questão bem
encaminhada: depois dos acordos de
fluxo de caixa neutro firmados com as
associadas da Abemi e a petroleira, e
do advento dos fundos de direitos creditórios
específicos, agora a Petrobras
e um conjunto de seis bancos lançaram
o Progredir – um programa lastreado
nos contratos de fornecimento,
estendido também aos subfornecedores
da cadeia.
De posse dos contratos
e com a garantia de pagamento da Petrobras,
os fornecedores vão aos bancos – participam do programa o Banco
do Brasil, Bradesco, Caixa, HSBC,
Itaú e Santander – e podem levantar
até 50% do valor. "Aí está o grande
segredo do fi nanciamento da cadeia
produtiva, e que vai permitir eliminar
custos financeiros e dar ao fornecedor
da cadeia a possibilidade de também
ter cash flow positivo", avalia o diretor
superintendente da UTC Engenharia,
Ricardo Pessoa.
Os desafios estão dentro e fora dos
muros das empresas – a maioria dos
entraves são gerados por fatores estruturais,
como é o caso da elevada e
complexa carga tributária. A construção
da unidade de propeno na Refinaria
Henrique Lage teve o maior índice
de modularização já alcançado em
uma obra desse porte: 40%.
Mas, por
conta do ICMS e da logística, acabou
custando mais caro.
Olhando para frente, pelo menos
a incerteza em relação às encomendas
praticamente não existe mais: o plano
da Petrobras indica que a engenharia
industrial terá carteira cheia e sustentável
por um longo tempo – nenhum
outro país do mundo tem uma reserva
do tamanho do pré-sal para ser explorada.
O período de bonança que paira
sobre o setor é propício à consolidação
de um porte internacional. Resta
que todos os envolvidos aproveitem a
oportunidade de galgar esse patamar
mais elevado de competitividade.
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