Edição 233 – Dezembro/Janeiro de 2002

Tecnologia a fundo
Assayag: postura tecnológica pró-ativa

A busca pelo petróleo tem motivado a Petrobras a submergir cada vez mais fundo, em profundidades que se aproximam dos três mil metros. Isto porque 72% do total das reservas brasileiras estão em águas profundas – entre 400 e 1000 metros – e ultraprofundas – mais de 1000 metros. “A Petrobras precisa enfrentar o desafio de produzir petróleo a profundidades crescentes, porque isso representa a única alternativa para alcançar níveis de produção compatíveis com a meta da empresa”, explica Marcos Assayag, coordenador do Programa de Capacitação Tecnológica para Exploração em Águas Ultraprofundas – Procap-3000.
Para se ter uma idéia, do pico 1.567.701 barris produzidos em um único dia do mês de dezembro, 66% foram tirados de reservatórios localizados em águas além dos 400 metros de profundidade – dos 34% restantes, metade foram produzidos onshore e o restante em águas rasas.
Dos 56 blocos exploratórios concedidos à companhia, 50 estão localizados em bacias offshore, sendo que mais de 80% em águas profundas ou ultraprofundas. Pela meta estimada no planejamento da Petrobras, em 2005 serão produzidos 1,9 milhão de barris diários, dos quais cerca de 75% provenientes dessas bacias. Desenvolver tecnologia para produzir petróleo em águas profundas e ultraprofundas – onde as condições ambientais são severas – tem sido, então, uma questão de sobrevivência no acirrado mundo do petróleo. “É preciso ter uma postura tecnológica pró-ativa face a uma potencial demanda no curto prazo. Estamos nos antecipando às descobertas nessas lâminas d’água”, comenta Assayag.
Desde a década de 1970, quando foi descoberta a Bacia de Campos, a companhia vem investindo em pesquisa e desenvolvimento de processos e equipamentos para produção de petróleo em bacias offshore. Tudo começou com o Sistema Antecipado (Early Production System), instalado no campo de Enchova, em uma lâmina d’água de 120 metros.
Assayag explica que o Procap-3000 é uma continuação de dois outros programas de capacitação tecnológica para produção em águas profundas: o Procap e o Procap-2000.
Em 1986, a Petrobras começou a desenvolver o Programa de Capacitação Tecnológica Procap, para dar respaldo à produção em profundidades de até 1.000 metros. Com 109 projetos multidisciplinares, um dos principais resultados do programa foi a capacitação tecnológica nos sistemas flutuantes de produção baseados em plataformas semi-submersíveis – em 1992, a companhia instalou o sistema piloto do campo de Marlim, a 781 metros de profundidade.
Os resultados conseguidos no primeiro programa e as descobertas em águas mais profundas levaram a Petrobras a criar, em 1993, o Procap-2000, para desenvolvimento de tecnologia para a produção em lâminas d’água até 2.000 metros. Com 20 projetos sistêmicos, o Procap-2000 estendeu-se até 1999.
Dentre as inovações atingidas pelo programa, várias foram aplicadas no projeto de desenvolvimento do campo de Roncador, na Bacia de Campos, que rendeu à Petrobras o segundo Distinguished Achievement Award, concedido pela Offshore Technology Conference, em maio passado. Nesse campo está localizado o poço completado de maior profundidade, em uma lâmina de 1886 metros, mas a companhia já chegou a perfurar a 2.777 metros – recorde recentemente quebrado pela Unocal, que perfurou a 2.953 metros.
Entretanto o pioneirismo da Petrobras tem sido seguido por outras oil companies. A BP – que mantém um acordo de intercâmbio tecnológico com a brasileira – irá colocar em produção o campo de Crazy Horse, em lâmina d’água de 1.850 metros, e a Shell, o de Nakika , em 1.920 metros, ambos no Golfo do México.
Até hoje, a Petrobras já instalou mais de 400 árvores submarinas e mais de 5.500 km de linhas no fundo do mar.

Novos limites
No início do ano passado, a Petrobras foi mais fundo e criou o Procap-3000. A expectativa é, principalmente, viabilizar a produção dos campos gigantes de Marlim Leste e Albacora Leste, as próximas fases dos campos de Marlim Sul e Roncador, ou outros reservatórios que possam ser descobertos em profundidades semelhantes.
“A Petrobras está empenhada fortemente em descobrir novos campos a profundidades de até 3 mil metros. Temos hoje cinco sondas perfurando em lâminas d’água superiores a 1.500 metros, tanto na Bacia de Campos quanto nas Bacias de Santos e Espírito Santo. Queremos, com o Procap-3000, disponibilizar tecnologias capazes colocar em produção qualquer descoberta no menor tempo”, conta o coordenador do programa.
Outra intenção é que os projetos em torno do Procap-3000 encontrem soluções tecnológicas para reduzir o custo do petróleo extraído em águas profundas. O programa está sendo conduzido através de 23 projetos sistêmicos, que enfocam as principais tecnologias consideradas de importância estratégica para a Petrobras – desde o tratamento de informações geológicas até a entrega do petróleo aos Terminais. Nos cinco anos de duração – 2000 a 2004 – a Petrobras investirá US$ 130 milhões.

Sistema de bombeamento multifásico submarino
Um dos desafios para viabilizar a produção nessas profundidades é o escoamento dos fluídos. Enquanto o petróleo está no reservatório, sua temperatura gira em torno de 90ºC, mas, ao ser transportado através das águas geladas do fundo do mar, a temperatura cai, podendo ocorrer a formação de depósitos de parafina e hidratos ao longo das linhas submarinas. “Procuramos isolar termicamente a linha, para que o petróleo mantenha uma temperatura acima do limite de formação de cristais, evitando o tamponamento”, anuncia Assayag.
Várias alternativas para abrandar esse problema têm sido avaliadas pelos técnicos envolvidos com o Procap-3000. Uma delas, que vem conquistando a simpatia das oil companies, é a chamada Pipe In Pipe – uma tubulação instalada no interior de outra, revestida com um isolante térmico produzido em poliuretano.
Outra alternativa testada pelos técnicos é a utilização de Pigs de espuma de baixa densidade para limpeza das linhas. O que também pode diminuir a probabilidade de formação de parafina é a tecnologia de poços de longo alcance: atingindo alvos distantes no reservatório, diminuindo o comprimento das linhas em contato com a massa d’água.

Laboratório hiperbárico
Vinicius e a Câmara Hiperbárica
Nas dependências de seu Centro de Pesquisas, a Petrobras mantém um laboratório de tecnologia submarina, equipado com uma moderna câmara hiperbárica capaz de reproduzir as condições adversas de temperatura baixa – menos de 4ºC – e alta pressão – mais de 300 bar – características do fundo do mar.
No projeto, a Petrobras investiu US$ 3 milhões, desenvolvido nos últimos dois anos pela área de Tecnologia Submarina do Cenpes. A câmara hiperbárica tem seis metros de comprimento e dois metros de diâmetro, e vem sendo utilizada para qualificar os equipamentos para operações offshore.
Todo o controle dos testes e simulações é computadorizado – os equipamentos terão ainda acompanhamento visual através de duas câmeras internas de TV. Dentre os itens de verificação estão a integridade e desempenho dos equipamentos submetidos a pressão muito elevada e a ciclos repetidos, como a abertura e fechamento de válvulas. Os principais equipamentos incluídos nesses testes são componentes de árvores de natal molhadas, manifolds submarinos e conectores submarinos.
Marcus Vinícius Coelho, assessor do Procap, explica que reparos no fundo do mar são muito caros, quando não impossíveis, daí a importância de exaustivos testes preliminares, simulando o funcionamento dos equipamentos em campo.
A própria construção da câmara foi um desafio para os técnicos do Cenpes, da DSND – fabricante da câmara – e da Nuclep – que produziu o vaso de pressão. Técnicas especiais eram necessárias para construir a câmara, com paredes compostas de anéis cilíndricos com espessura de até 17 cm.
Além da câmara, estão mantidas outras duas menores, que permanecerão auxiliando no atendimento da demanda para testes e simulação das operações a dois mil metros de profundidade.

Desenvolvimentos
Fundamental para a Petrobras também tem sido desenvolver equipamentos que suportem as condições adversas do fundo do mar. Sozinha, ou em parceria com fabricantes desses equipamentos, a companhia vem desenvolvendo desde sistemas de conexões até complexas unidades de produção. “O business da Petrobras não é fabricar equipamentos, é produzir petróleo. A companhia tem uma política de desenvolver a tecnologia e disponibilizá-la para que uma variedade de fabricantes possa produzir e atender a demanda”, explica Assayag.
Herança do Procap-2000, o sistema de separação submarina Vasps, desenvolvido em parceria com outras companhias de petróleo, entra agora numa fase de testes.
O Vasps promove a separação das fases gasosa e líquida ainda no fundo do mar. O líquido é enviado para a plataforma através de uma bomba centrífuga submersa, enquanto o gás escoa por outra linha. O primeiro protótipo começou a operar no meio do ano passado, no campo de Marimbá.
O uso de bombas centrífugas submersas em poços submarinos em águas profundas também é resultado de um projeto do Procap-2000. No Procap-3000 busca-se, agora, aumentar o intervalo de manutenção para 5 anos e a potência do equipamento. Em alguns casos, quando a utilização de plataformas-padrão é inviável ou pouco atrativa, um sistema de bombeamento multifásico submarino poderá ser interessante – a Petrobras irá instalar, ainda este ano, um protótipo desse sistema no campo de Marlim.
As técnicas de gás lift também vêm sendo reavaliadas para otimizar sua aplicação em águas profundas. Pelos dados da companhia, 47% do petróleo é produzido atualmente com gás-lift, percentual que pode crescer com o aumento no número de poços produtores na Bacia de Campos – onde a técnica é predominante.
Dentre os projetos, incluem-se ainda os sistemas de produção não convencionais, como sistema submarino inteiramente elétrico e injeção de água bruta. “As tecnologias identificadas como promissoras serão desenvolvidas”, explica o coordenador.
Até mesmo a coleta e tratamento de dados geológicos, geotécnicos e oceanográficos têm espaço no Procap-3000, a fim de fornecer informações necessárias sobre o leito do mar e coluna d’água para projetos e instalação de equipamentos de produção.
Manifold para águas ultraprofundas