Revista Petro & Química
Edição 378 • 2019

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Matéria de Capa
Investimentos na renovação da própria matriz
 
 
 

Nos últimos anos, convive-se com importantes mudanças estruturais nos setores energéticos, resultante de acordos globais e de pressões ambientais, ampliando a oferta de fontes de energia renováveis, e possibilitando o surgimento de novos atores, com maior ou menor impacto na indústria de petróleo e gás natural. E, os investimentos praticados em todo o mundo mostram que a interferência tende a se acirrar, e exige que as empresas focadas em prospecção de petróleo, e aquelas voltadas ao refino e/ou aos derivados abram o leque, incorporando novas fontes. Há estudos que indicam declínio da procura por petróleo por volta de 2030, com a demanda por energia seguindo crescente. Nesse contexto, as empresas de energia enfrentarão concorrentes não-tradicionais, em busca de competitividade sustentável, com novos modelos de participação, voltados a oportunidades de integração vertical e horizontal, dentro e entre cadeias de valor energético. A Shell está entre as empresas que enxerga a transição energética como algo absolutamente natural e necessário, consequência direta das mudanças no clima, causadas, entre outros fatores, pelas emissões de carbono. E, há ações efetivas nesse sentido, tanto como parte do Acordo de Paris, quanto de olho no futuro: o grupo assumiu um compromisso com a sociedade, e traçou metas rígidas para as próximas décadas, prevendo redução de 50% em suas emissões, até 2050.

Atingir esta meta passa por diversos fatores, previstos no planejamento da Shell: além de investimentos em novas energias, é preciso aprofundar o entendimento das operações e das maiores fontes de emissão; detectar quais as oportunidades de melhoria de eficiência, os esforços de educação e de conscientização dos colaboradores, além de desenvolver tecnologias que favoreçam o abatimento das emissões globais da companhia e de seus clientes.

No caso específico do Brasil – percebido pela Shell como um dos principais focos do programa de novas energias do grupo –, segundo informações oficiais, está em fase de estudos para iniciar seus projetos em energias renováveis. Em âmbito global, a empresa prevê investimentos entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões, anualmente, mas também dedica atenção especial no provimento de informação ao mercado. Exemplo é o portal Cenario Sky, que divulga estudos do grupo sobre a redução de emissão de carbono, entre outros assuntos.

Entre as empresas globais que estão investindo na diversificação das fontes de energia, também se destaca a Equinor, que somou a geração de energia eólica offshore à sua atividade fundamental, respondendo, por exemplo, pela operação de três parques eólicos offshore de grande escala, no Reino Unido – Hywind Scotland, primeiro parque eólico comercial do mundo usando turbinas flutuantes, e Sheringham Shoal e Dudgeon, que utilizam turbinas fixas – e por outros projetos em desenvolvimento, tanto no Reino Unido, quanto na Alemanha, Polônia e Estados Unidos.

 
 
Uma chaminé de incineração de resíduos, na fábrica de recuperação de energia de Klemetsrud, em Oslo, libera tanto CO2 por ano quanto 200.000 carros, mas não é preciso deixar que esse gás chegue à atmosfera, e destrua o clima; é possível armazená-lo com segurança, três quilômetros abaixo do Mar do Norte. Dessa forma, os resíduos que não podem ou não devem ser reciclados são usados para fornecer calor para a vizinhança ao redor, bem como para a eletricidade – um processo chamado Combined Heating and Power, ou CHP, abreviado.
 
 
A Equinor capturou e armazenou mais de 20 milhões de toneladas de CO2 desde 1996, o equivalente às emissões anuais de 10 milhões de carros: o CO2 é removido do gás natural, e enviado a 1.000 metros sob a plataforma de Sleipner, até a formação Utsira, onde é permanentemente armazenado em pequenos poros na rocha. Nem todo mundo ouviu falar de CCS – captura e armazenamento de carbono –, até porque não é algo que se possa fazer sozinho; não se pode ter um CCS no carro ou em casa; é necessário um compromisso industrial considerável, que só é relevante para as principais fontes de emissão. De muitas maneiras, esta é a grande solução climática desconhecida.
 
 
Stuart Haszeldine, professor de captura e armazenamento de carbono na Universidade de Edimburgo, afirma que a captura e o armazenamento de carbono são muito caros e não rentáveis para muitas empresas; então, não foi possível comercializar o CCS ou criar uma cadeia de valor em grande escala para o CCS. Ainda.

A Equinor, como a maioria das empresas de petróleo do mundo, está trabalhando em várias frentes, porque quer ser capaz de construir uma iniciativa de energia renovável, enquanto continua a desenvolver seu negócio de petróleo e gás de uma maneira eficiente, sustentável e segura. Mas, não apenas para fora; em suas próprias operações, a Equinor impõe essa postura, como nos navios que viajam para plataformas de petróleo, usando uma nova bateria, com tecnologia que reduz as emissões de CO2: todas as embarcações de fornecimento norueguesas, com contratos de longo prazo com a Equinor, devem ter essas baterias instaladas. E constatou que está usando menos combustível, economizando dinheiro e reduzindo as emissões de CO2. A empresa ressalta que isso tem sido possível por causa das pessoas de visão da organização, da inovação de empresas empreendedoras, e do apoio de fundos, como o NOx e ENOVA. Para a Equinor, quanto mais perto se está dos desafios, mais perto se está das soluções, e sua capacidade de influenciar aumenta.

Esse interesse também vem incrementando a atividade da empresa norueguesa no Brasil, uma vez que está investindo, em parceria com a Petrobras, no estudo e no desenvolvimento de um modelo de negócios rentável para a geração de energias renováveis, começando pela eólica offshore e, em seguida, cada vez mais para outras matrizes, como, por exemplo, a solar. As duas empresas têm propostas claras com relação ao tema.
 
 
A Equinor, por acreditar que energia não deve ser apenas segura e sustentável, mas também competitiva, planeja aplicar de 15% a 20% de seus investimentos em projetos de energia renovável, em 2030. Já a Petrobras, até 2022, intenta instalar, no litoral nordestino, o primeiro aerogerador offshore no país, com o intuito de avaliar a performance desse equipamento em campo.
 
Gustavo Checcucci, diretor de Energia da Braskem, fala sobre dois projetos de energia distintos, e em regiões diferentes, que exemplifi cam a estratégia da empresa no desenvolvimento de sua matriz energética, e a sua competitividade através de projetos estruturantes com soluções inovadoras: um na Bahia e outro no ABC.
“Em novembro de 2018 anunciamos, na Bahia, a compra de energia eólica por 20 anos, em um contrato estimado em R$ 400 milhões, viabilizando a expansão do Complexo de Folha Larga, que a EDF Renewable do Brasil está desenvolvendo no Estado. Esse novo parque de energia renovável estará localizado no município de Campo Formoso, a 350 km a noroeste de Salvador”, comenta Checcucci, lembrando que, com essa iniciativa, “a Braskem avança na estratégia de obtenção de uma matriz mais limpa e sustentável. Estimamos reduzir a quantidade de emissões de CO2 em 325 mil toneladas, ao longo do período do contrato”.
 
Já no Polo Petroquímico do ABC, a empresa desenvolve, em parceria com a Siemens, projeto de modernização do sistema elétrico, que – garante o diretor de Energia da Braskem – “resultará em maior efi ciência na produção e melhoria em indicadores de sustentabilidade da empresa. O investimento total, avaliado em R$ 600 milhões, prevê a atualização tecnológica do sistema que atende ao cracker. Com a cogeração combinada de energia elétrica e gás de processo, vamos consumir menos energia, e emitir ainda menos gases de efeito estufa. A estimativa é de uma redução de 11,4% no consumo de água e de 6,3% nas emissões de CO2 da unidade. Com esta modernização, a Braskem estima a redução do consumo de energia equivalente ao de uma cidade com um milhão de habitantes”.

O viés do consumidor

A participação das renováveis é crescente também no universo dos consumidores especiais, de menor porte, que, “somente podem comprar livremente sua energia se essa for oriunda dessas fontes, e se observou, desde 2016, uma migração muito grande desses consumidores do mercado cativo, atendido pelas distribuidoras para o mercado livre. Para os próximos anos, a tendência é crescer o apetite dos consumidores por fontes denominadas limpas, em função do selo verde que isso pode conferir ao negócio”, explica Reginaldo Medeiros, presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), frisando que aproximadamente 36% do consumo do mercado livre vem das fontes incentivadas (eólica, solar, biomassa e PCHs). “Mais da metade da geração dessas fontes foi vendida no mercado livre, com destaque para a geração por biomassa, que vendeu 68% aí”, constata.

A presença de outras fontes, como a eólica, também se desenvolve e, segundo Maurício Tolmasquim – professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ – hoje ultrapassa a capacidade de Itaipu – que gera 14 GW –, situando o país em sétimo lugar em termos de capacidade instalada. “Os novos aerogeradores são muito grandes, com produtividade elevada. Além disso, o Brasil tem uma vantagem, com o domínio da tecnologia, de explorar petróleo offshore, que pode ser transferida para a geração eólica. Por isso, as empresas de petróleo estão olhando muito para esse mercado”.

De acordo com Tolmasquim, essa mudança de foco para a indústria do petróleo carrega, além do aspecto ambiental, a segurança de comercialização por longo prazo, e uma receita complementar, que equilibra as variações de preço do petróleo no mercado.

E, para o futuro, estão previstas mudanças também para o mercado consumidor, segundo o presidente executivo da Abraceel, citando proposta apresentada pela instituição para venda de excedentes de geração distribuída, pois, hoje, “o consumidor apenas pode abater sua geração excedente de futuras faturas, o que coloca as distribuidoras no centro da solução como prestadoras dos serviços de medição, garantindo remuneração adequada pelos serviços prestados”.

Essa proposta, entre outros benefícios, viabiliza a criação de novos modelos de negócios e, aliada à expansão do mercado livre, “favorece o aumento do uso de fontes renováveis de energia, uma vez que abre a possibilidade de o consumidor fi nal investir e/ou escolher comprar a energia gerada exclusivamente em usinas solares, eólicas ou outras fontes renováveis, produzidas localmente”, prevê o presidente executivo da entidade que congrega os Comercializadores de Energia.
 
Shale Gas: combustível com pegada social
 
Fontes convencionais e não convencionais de óleo e gás
 
 
O caderno “O shale gas à espreita no Brasil: desmistifi cando a exploração de recursos de baixa permeabilidade”, lançado em fevereiro, apresenta o resultado de pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vargas (FGV Energia), em conjunto com a Universidade Federal de Santa Catarina, e a Universidade do Estado de Santa Catarina. O trabalho leva em conta a economia, o desenvolvimento social e a melhoria de infraestrutura que a exploração e produção de petróleo e gás natural, em estruturas do tipo não-convencionais, estão promovendo nos EUA e na Argentina.

Como explica a professora e coordenadora de pesquisa da FGV Energia, Fernanda Delgado, no caso brasileiro, trata-se do gás de Folhelho, e o estudo buscou projetar como o Brasil, a exemplo de outros países, pode explorar seus recursos de hidrocarbonetos de baixa permeabilidade.

No trabalho divulgado, é enfatizada a importância da reativação do ambiente onshore e do projeto piloto do poço transparente, tendo como exemplo os Estados Unidos, que têm grande sucesso da exploração de shale gas, ao ponto de reduzir sensivelmente a importação de petróleo.

A título de comparação, foi realizada uma análise do atual cenário brasileiro onshore, a partir de uma avaliação para a Bacia do Recôncavo, utilizando machine learning, de forma a identifi car os sweet spots. “As discussões mencionadas levaram a FGV Energia a endossar que, no ambiente onshore brasileiro, o aproveitamento de recursos não convencionais pode contribuir de sobremaneira para a manutenção das atividades exploratórias em bacias maduras, ou em áreas greenfi eld, promovendo o aumento do fator de recuperação destes campos”, resume a pesquisadora.
 
 
O caderno de shale gas tem o objetivo de desmitifi car a exploração de recursos de baixa permeabilidade, e mostrar as oportunidades de investimento na exploração em terra, contribuindo para o equacionamento de entraves por parte do governo e da sociedade no Brasil, comenta Fernanda Delgado, informando que as estimativas da ANP, de 2013, sinalizam que as reservas recuperáveis das principais bacias sedimentares (Paraná, Recôncavo, Parnaíba, Parecis e São Francisco) estariam próximas a 11,7 trilhões de m³.
 
 
 
 

 

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