Revista Petro & Química
Edição 371 • 2017

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Matéria de Capa
Revolução Digital
 
A conexão entre equipamentos, processos e pessoas abriu espaço para uma indústria mais colaborativa. A Internet das Coisas aponta mudanças profundas para o setor | Flávio Bosco
 

Os sistemas de segurança e automação instalados na plataforma do campo de Draugen, no Mar do Norte, não são apenas usados pela operação. Os dados passaram também a ser analisados pela Norske Shell na busca por novas formas de aumentar a produtividade.

No campo de Atlantis, no Golfo do México, o projeto implantado pela BP integra as informações obtidas dos equipamentos para gerar notificações e relatórios analíticos aos engenheiros, em tempo real, para que eles possam se antecipar a problemas de desempenho da plataforma. Se os resultados estiverem de acordo com o planejado, a mesma solução será estendida a outras 33 plataformas.

É possível encontrar experiências similares em outras empresas – algumas aderiram proativamente a essa revolução gerada pelas tecnologias digitais, embora a maioria dos casos ainda sejam tratados com sigilo. A ideia principal é conectar – equipamentos, processos e pessoas. Aquela ideia de operação em silos, em que os dados obtidos em um processo eram utilizados para uma finalidade específica, está fora de moda. A adoção de big data, a computação em nuvem, data analytics e outras tecnologias relacionadas à Internet das Coisas, que trouxe ganhos para as indústrias de manufatura e para setores de comércio e serviços, agora está à disposição do setor de petróleo e gás.

De acordo com estudos do BCG, o desenvolvimento da estrutura, digitalização e processos das plantas podem causar uma redução de até 20% nos custos totais de produção. Durante um período de dez anos, os investimentos acumulados de uma empresa para capturar esses benefícios serão de 13% a 19% da receita de um ano.

Nesse novo modelo, a disrupção não é impulsionada por um desenvolvimento tecnológico específico, mas pela maneira como a tecnologia é usada. “Tecnologias digitais, como simulação e monitoramento em tempo real, sempre foram muito exploradas pela indústria de petróleo e gás. Mas nos últimos anos houve uma evolução de conceitos como colaboração e desenvolvimento de aplicativos, que ocorreu com muito mais força em outros setores”, explica o CEO da Radix, Luiz Eduardo Rubião.

A Radix é uma das integrantes do The Open Process Automation Forum, uma iniciativa que reúne 109 petroleiras, indústrias químicas e fornecedores de equipamentos e sistemas em torno da próxima geração do controle de processo.

O que tem chamado a atenção é o novo paradigma em termos de arquitetura e maneira de resolver problemas. A questão não se resume a troca de informações entre um equipamento e um software, mas quanto as informações das duas pontas podem ajudar toda a empresa. A integração da operação, corporativo e laboratórios – e até fornecedores e clientes – independentemente do formato ou estruturação das informações, muda significativamente a a tomada de decisões, a tolerância a produtos fora de especificação e falha de equipamentos, e reduz o tempo de desenvolvimento de novos produtos e soluções.

Os ganhos podem ser visualizados antes mesmo que um produto saia do forno. A concepção, o suprimento e os testes são feitos de forma virtual, reduzindo pela metade o tempo de desenvolvimento de uma nova formulação. Isso, em última análise, tem um efeito sobre as relações fornecedor-cliente. “O desenvolvimento de produtos e plataformas e o engajamento do cliente tem um potencial inexplorado”, afirma o líder global da Deloitte para o setor de Química, Duane Dickson.

É bem verdade que alguns movimentos foram importantes para fundamentar essa disrupção digital: o avanço do poder de computação e da transmissão de dados sem fio, a queda acentuada nos custos de sensores e o desenvolvimento de algoritmos que alertam para qualquer mudança e sugerem decisões a serem tomadas ao analisar os dados. “Implementar sensores para capturar informação hoje é muito mais viável do que há dez anos. Também é possível tratar de forma mais inteligente essa informação, dando respostas mais assertivas ao cliente. No final do dia a digitalização ocupa esse espaço”, lembra o gerente da unidade de negócios de Óleo e Gás da ABB, Maurício Cunha.

 
 
No início da década passada, a BP lançou um programa batizado de Field of the Future e fundamentado em conectividade e colaboração em tempo real entre a operação offshore e o monitoramento em terra. Com a evolução das aplicações que armazenam grandes volumes de dados e o desenvolvimento da computação em nuvem, o programa ganhou uma nova dinâmica. A petroleira também se deu conta que trazer especialistas em tecnologia para seu lado traria mais resultado que tentar, sozinha, buscar uma solução. A Exxon, grande impulsionadora do Open Process Automation Forum, compartilha uma atitude semelhante. No ano passado, a empresa foi buscar o know how da Lockheed Martin, integradora especializada no setor aeroespacial, para definir os requisitos e integrar o protótipo da nova geração do sistema de controle, e chamou empresas de software, hardware e outras petroleiras para desenvolver padrões.

Com uma grande base de sistemas instalados em suas refinarias e plataformas, a preocupação da petroleira é compreender qual será o reflexo de cada uma dessas tecnologias nas suas operações.

Desafios
A novas tecnologias têm ganhado espaço justamente em um momento em que as empresas buscam alternativas às tecnologias já estabelecidas, para redução de custos e aumento da eficiência. Quando aplicada a toda a cadeia de valor, essas tecnologias digitais podem simplificar e sincronizar processos e acelerar a tomada de decisão.

O mesmo vale, contudo, para as ameaças – entre elas, a vulnerabilidade a ataques cibernéticos e o desemprego. A medida que mais equipamentos e processos são interligados e mais dados são armazenados na nuvem, a infraestrutura está cada vez mais suscetível a hackers. Dois recentes eventos exemplificam o tamanho da vulnerabilidade: o vírus conhecido como Shamoon limpou cerca de três quartos dos computadores da Saudi Aramco, em 2012. Foi um dos maiores ataques cibernéticos corporativos da história. As empresas passaram a dedicar mais recursos para resguardar seus dados e operações. No final do ano passado, um corte no fornecimento de energia em Kiev, na Ucrânia, foi atribuído a um ciberataque. A mãe das dúvidas, no entanto, diz respeito às mudanças que essa disrupção digital trará ao mercado de trabalho. A temática já foi discutida até no Fórum Econômico Global e é pauta de estudos do Banco Mundial. Há quem aposte que softwares e robôs poderão substituir 25% dos trabalhadores até 2025. É certo que máquinas desempenham muitas tarefas de forma mais dinâmica e produtiva, e suportam condições insalubres ao ser humano.

Também é certo que a tecnologia criará vagas na área de computação e uma maior interação entre homens e máquinas. Ainda assim, dificilmente o saldo será positivo. A indústria do petróleo e gás ainda está aprendendo com as primeiras experiências. Técnicos, executivos e acionistas esperam que esses resultados se materializem. De preferência antes da próxima onda disruptiva. “Por mais que haja dúvidas sobre como a coisa vai acontecer, na verdade é um processo irreversível. E o que temos que fazer é a coisa da melhor maneira possível”, finaliza Rubião.
 
 
 


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