Revista Petro & Química
Edição 366 • 2016

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Vem aí a nova versão da IEC 61511
 
Edição 2.2.0 da norma trará mais exemplos e boas prá te boas práticas para auxiliar projeto e operação de sistemas instrumentados de segurança | Flávio Bosco
 

Quando controladores lógicos programáveis – CLP substituíram os relés eletromecânicos e tornaram mais complexos os sistemas de segurança de uma unidade industrial, foi necessário recorrer a uma ferramenta que orientasse sua instalação e operação. Assim surgiu a norma IEC 61508 - Segurança funcional de sistemas relativos à segurança elétrica, eletrônicos e eletrônicos programáveis. Ela e sua derivada IEC 61511 - Segurança funcional - Sistemas instrumentados de segurança para a indústria de processos logo tornaram-se padrão preferido dos engenheiros.

Agora a International Electrotechnical Commission prepara a segunda edição da IEC 61511 – se tudo correr dentro do previsto, a norma estará publicada no segundo semestre de 2016. Parte do texto foi reescrita, como acontece em quase toda revisão de norma, para facilitar o entendimento.

Não há mudanças na estrutura da norma. As alterações mais significativas estão nos anexos da parte 2, que traz instruções para utilização, e da parte 3, que apresenta as diretrizes para determinação do nível de integridade de segurança. A parte 2 ganhou dois novos anexos além dos cinco que já existiam, e a parte 3 passará a ter 11 anexos, cinco a mais que na primeira edição – esses anexos trazem novos exemplos e boas práticas para abordagem de vários pontos. “A segunda edição deve fornecer uma melhor compreensão de como aplicar IEC 61511 para aqueles que implementaram a primeira edição”, diz Victor Maggioli, chairman do comitê responsável pela revisão da norma.

Diferente das normas prescritivas, a IEC 61511 adota a abordagem de segurança baseada em risco, especificando níveis de desempenho requeridos para os sistemas instrumentados de segurança. Ela toma por princípio dois tipos de requisitos – funcionais e de integridade – para prevenir falhas aleatórias e sistemáticas. Um conceito fundamental é o nível de integridade de segurança, mais conhecido pela sigla SIL – iniciais de Safety Integrity Level. Trata-se da quantificação de redução de risco obtida pela aplicação das funções instrumentadas que conduzem o processo ou os equipamentos a estados seguros. Os sensores, transmissores e atuadores que irão executar essa função devem ser adequados ao nível SIL (1,2,3 ou 4) determinado no projeto. Outro conceito importante é o ciclo de vida do sistema instrumentado de segurança, que contém as etapas necessárias para selecionar, atingir e manter o nível de segurança funcional requerido, durante as fases de projeto, operação e manutenção de um sistema instrumentado de segurança.

Por não se tratar de uma regulamentação legal, nenhuma planta industrial estaria obrigada a adotar a IEC 61511 – por força da lei, uma indústria instalada no Brasil precisa seguir o que determinam as Normas Regulamentadoras – NRs do Ministério do Trabalho e Emprego. Mas, por agrupar experiências internacionais, a IEC 61511 ganhou boa aceitação dos usuários. Mesmo as empresas que têm procedimentos próprios – como é o caso de Petrobras – tomam a IEC 61511 como referência para projetar e operar os sistemas instrumentados de segurança.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas chegou a trabalhar numa versão NBR dessa norma – o grupo de trabalho de sistemas instrumentados de segurança se dedicou a tradução do texto, no entanto, suspendeu o trabalho à espera da publicação da nova edição.

A primeira edição da IEC 61511 foi publicada em 2003.

A revisão, de acordo com o ciclo estabelecido pela IEC, deveria ter sido iniciada cinco anos depois. O adiamento foi proposital para acomodar a nova versão da IEC 61508 – que ainda não estava concluída, mas que traria impactos sobre alguns aspectos conceituais. Acontece que os comentários e sugestões foram se acumulando. Apenas na primeira fase da revisão, quando o Committee Draft – CD foi elaborado, já haviam aproximadamente 1.600 sugestões encaminhadas por diversos comitês de países membros. Outras cinco centenas de comentários foram enviados na fase de Committee Draft for Vote – CDV.

A revisão está na etapa de consolidação dos votos do Final Draft of International Standard - FDIS (que é colocado em votação final antes da publicação da norma). Esse documento já antecipa as mudanças pretendidas. No texto, as referências a softwares foram substituídas pela expressão “programa aplicativo”. Tornar esse conceito mais claro era uma das demandas do grupo responsável pela revisão da norma. 12 integrantes do grupo se dedicaram a reescrever tudo o que se referia a esse tema – e a nova versão traz boas práticas e lições aprendidas de como elaborar, documentar, e executar verificações em programas aplicativos. Foram incluídas também orientações relacionadas a cibersegurança – esses foram os avanços tecnológicos mais expressivos para uma norma ligada a análise de riscos, confiabilidade e taxas de falhas.

Na nova edição, a expressão “produção de petróleo e gás” foi alterada para “petróleo e gás”, para deixar claro que as atividades a montante (por exemplo perfuração e exploração) estão incluídas dentro do âmbito. O conceito de manual de segurança ganhou consistência – com mais clareza sobre conteúdos e responsabilidades. E foram ampliados requisitos de gestão de mudança, de avaliação de riscos, e avaliações periódicas durante a fase operacional. Outros pontos bastante discutidos nas reuniões, e que agora vêm melhor desenvolvidos, estão relacionados ao uso do sistema básico de controle de processo regulatório como camada de proteção e ao chamado prior use – como devem ser tratados os dispositivos que não dispõem de um banco de dados formal com suas taxas de falhas, mas que o usuário conhece o desempenho. Algumas etapas continuam tendo requerimentos complexos – como a avaliação de segurança funcional e a validação. “Em alguns aspectos a norma melhorou sensivelmente, mas continua tendo alguns requerimentos pesados”, avalia o consultor de sistemas instrumentados de segurança da área de refino da Petrobras, Bruno Barsotti.

O resultado de todo esse trabalho fica visível no novo texto, que teve acrescido pouco mais de 100 páginas – 6 na parte 1, 50 na parte 2 e 40 na terceira parte. “A melhoria na segurança da operação é geralmente alcançada pela decisão do usuário, dedicação e organização em gerir e aplicar a segurança funcional em seu site. A melhor compreensão da norma tem o potencial de facilitar este processo”, ressalta Maggioli.

O trabalho nos grupos da IEC

É pelo trabalho voluntário de engenheiros de todas as partes do mundo que as normas da IEC evoluem. O grupo de manutenção, que responde pelo aperfeiçoamento e elaboração de technical reports da IEC 61511, é um dos maiores, com mais de 60 membros, de 20 países – entre eles representantes da Total, Chevron, Statoil, Petrobras, Rockwell, Yokogawa, Honeywell, Siemens, da agência americana CSB, da britânica HSE e da alemã TÜV. “A preocupação das empresas que utilizam a IEC 61511 é também trazer para nova edição experiência acumulada na utilização da norma. Elas investem muito em treinamento, documentação e procedimentos de trabalho, e querem evitar que uma série de esforços sejam colocados em segundo plano”, explica Barsotti, único brasileiro membro do grupo.

Nas reuniões do grupo responsável pelos trabalhos de revisão, uma parte do tempo era sempre reservada ao chamado safety moment – um período para discussões sobre segurança funcional em que alguns membros ou convidados apresentavam relatórios sobre acidentes. A maior parte deles apontava negligência no cumprimento de requisitos e práticas preconizados na IEC 61511.

Via de regra, uma norma IEC surge a partir da necessidade de orientar algum procedimento. Um bom exemplo é a IEC 60079-39, publicada no ano passado na forma de uma Technical Specification para apresentar o conceito de Power i – de sistemas intrinsecamente seguros com limitação de duração de centelha eletronicamente controlada. Essa tecnologia permite a utilização de potência ativa mais elevada, mantendo as características de proteção da segurança intrínseca sob condições normais de operação do circuito – a base para esta nova abordagem é uma reação dinâmica à alteração do valor da corrente: o sistema Power-i detecta a ocorrência e desliga o circuito antes que a energia atinja um nível crítico.

“Essa nova tecnologia permite uma expansão no campo de aplicações industriais que utilizem o tipo de proteção Ex i. No entanto, requer a aplicação de novas e de mais elaboradas abordagens em relação ao tradicional tipo de proteção Ex i, a qual encontra em contínuo desenvolvimento desde 1913, portanto há mais de cem anos, em decorrência dos avanços tecnológicos na área de eletrônica e circuitos digitais”, lembra o coordenador do Subcomitê SC-31 do Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações - Cobei, Roberval Bulgarelli.

Esse conceito foi desenvolvido há alguns anos pela Pepperl+Fuchs – que patenteou a tecnologia como Dart (de Dynamic Arc Recognition and Termination). Poucas empresas, no entanto, já utilizam a tecnologia – no Brasil ainda não há nenhuma. A normalização tem esse poder de sustentar a difusão de novas tecnologias, como aconteceu com o conceito de fieldbus intrinsicamente seguro - Fisco, que permitiu o uso de protocolos de comunicação digital em áreas classificadas – a Petrobras já utiliza sistemas deste tipo há pelo menos oito anos.

Uma interseção especial existe entre instalações elétricas em atmosferas explosivas e SIL quando parâmetros de segurança do equipamento elétrico para instalação em áreas classificadas são assegurados através de dispositivos de segurança adicional – um caso típico é a supervisão da temperatura de motores com tipo de proteção com segurança aumentada (Ex e) por relés eletrônicos de imagem térmica ou até através de inversores. Os grupos de trabalho do Comitê 31 (que edita as normas da série IEC 60079, de atmosferas explosivas) já discutem a adoção de requisitos SIL para estes dispositivos.

No ano passado a International Electrotechnical Commission - IEC publicou doze novas edições e duas normas inéditas destinadas a instalações elétricas em atmosferas explosivas. Há pelo menos outras quatro em elaboração – sobre equipamentos não elétricos e poeiras combustíveis – previstas para serem publicadas em 2016.

Equipamentos certificados para atmosferas explosivas custam mais caro. O desafio recai no desenvolvimento de equipamentos seguros e mais baratos. “O governo e o Inmetro revisaram a portaria nº 179, de equipamentos elétricos para atmosferas explosivas, incluindo a partir de 2010 nova redação contemplando além de condições de gases e vapores explosivos também as condições de poeiras combustíveis. Esta regulamentação tem exigido da indústria uma maior utilização de equipamentos adequados e certificados, bem como o investimento dos fabricantes de equipamentos elétricos no desenvolvimento de equipamentos certificados para atender as normas específicas, evoluindo assim toda a cadeia no quesito segurança em áreas classificadas”, destaca o diretor de Vendas da Weg Motores, Fernando Cardoso Garcia.

Para áreas classificadas, a Petrobras tem optado por proteções menos suscetíveis a falhas humanas – como segurança aumentada, segurança intrínseca, proteção ótica, imersão em resina e invólucros pressurizados. Nas plataformas P-75, P-77 e no FPSO Pioneiro de Libra, por exemplo, os painéis elétricos de controle e automação e motores elétricos estão sendo instalados com unidades de pressurização. “Esses sistemas de purga e pressurização são usados para que gases perigosos sejam expelidos dos invólucros dos motores e painéis elétricos antes da partida dos motores ou da abertura dos painéis em áreas classificadas de zonas 1 ou 2”, conta o diretor da FT Automação, Peter Strimber.

Esses equipamentos se enquadram na categoria de invólucros pressurizados (Ex p), que teve a norma IEC atualizada em 2014. Agora o Cobei está trabalhando para atualizar a NBR correspondente, o que, na avaliação de Peter Strimber, irá facilitar os ensaios de certificação dos painéis.

Se a evolução tecnológica traz avanços importantes para a segurança funcional, ela desperta outra preocupação: a capacitação dos profissionais que irão projetar, operar, inspecionar e trabalhar na manutenção dos sistemas. É como ter leis de trânsito mais rigorosas e automóveis mais seguros sendo guiados por motoristas imprudentes ou com manutenção feita por mecânicos sem capacitação. “Nas inspeções feitas nas instalações de instrumentação e de automação Ex podem ser verificadas diversas não conformidades relacionadas com a fabricação ou a tecnologia do equipamento, mas com a falta de competência e de certificação do peopleware envolvido com as atividades de projeto, montagem, inspeção, manutenção e reparos. Por este motivo a certificação destas pessoas, de acordo com os requisitos das normas da série NBR IEC 60079 e dos documentos operacionais do IECEx pode ser considerada um requisito fundamental para a elevação dos níveis de segurança das instalações Ex, em um nível mais significativo do que as novas tecnologias”, ressalta Bulgarelli.

 
 
 
 


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