Edição 332 • 2011

Benção ou Maldição?

O peso que o setor de petróleo terá sobre a economia brasileira vai transformar o Brasil. O maior desafio é fazer com que essa riqueza seja capaz de dinamizar o desenvolvimento do país – porque o risco da desindustrialização ainda não está exorcizado.

Flavio Bosco

No Parque Tecnológico da UFRJ – uma área de 350 mil m² na Ilha do Fundão, no Rio
de Janeiro – a construção civil está a todo vapor. É ali, em torno do Centro de Pesquisas da Petrobras, onde o que crescia era apenas mato, que agora começam a surgir os novíssimos centros de pesquisa, erguidos por empresas do porte da GE, da Baker Hughes e da FMC Tecnologies. O da Schlumberger, inaugurado em novembro, com investimentos de US$ 50 milhões, já emprega 300 funcionários, entre cientistas, engenheiros e técnicos. Essa é a parte mais visível da revolução que o pré-sal, uma das maiores estruturas geradoras de petróleo do mundo, já está fazendo sobre a economia brasileira.
Os números projetados por essas reservas são grandiosos. O petróleo, que há dez anos contribuía com 5,32% do Produto Interno Bruto, hoje já responde por mais de 11% das riquezas gerada no país. O pré-sal deve aumentar esse peso em alguns respeitáveis pontos percentuais. A reboque, os recursos referentes à cláusula de P&D – 1% da receita total gerada pelas concessionárias que pagam Participação Especial, obrigatória no caso de campos com grande volume de produção – chegaram a R$ 743,7 milhões em 2010. No ano 2000, essa arrecadação foi de R$ 94,2 milhões.

(Centros de Pesquisas da Schlumberger já em operação)


(FMC Tecnologies em construção)

Um mapeamento feito pela área de Pesquisas Econômicas do BNDES indica que o setor de petróleo e gás concentrará 61,5% dos investimentos industriais no país – de 2011 até 2014 serão R$ 378 bilhões. Somente a Petrobras tem uma meta de extrair 5,38 milhões de barris por dia em 2020 – o que corresponde a mais da metade do que a Arábia Saudita extrai de seus reservatórios.
O plano de investimentos da petroleira brasileira prevê compras no valor de US$ 142 bilhões no mercado interno – um numerário jamais visto em sua história, que demandará um volume igualmente inédito de equipamentos metalúrgicos, eletroeletrônicos e químicos – com todas as subcadeias e serviços correlatos.
O surgimento dos centros de pesquisa, no entanto, só consegue superar um tipo de desafio: o tecnológico.





Um conjunto amplo de desafios de natureza macroeconômica está para ser enfrentado: em que pese a sétima posição na lista dos maiores PIBs globais, o Brasil ainda ocupa o 58º lugar no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial. Entre 139 países avaliados, o Brasil é classificado como o que tem o pior impacto da carga tributária sobre o setor privado e o 126º no ranking de qualidade do ensino de ciências e de matemática.
O diretor de Óleo e Gás da Associação Brasileira de Engenharia Industrial, Guilherme Pires, lembra que o potencial de riqueza do pré-sal ainda não foi aferido com precisão.
“Alguns citam problemas ambientais para a riquíssima costa brasileira. Outros falam nas dificuldades de a indústria nacional e a engenharia responderem aos novos desafios e a possibilidade de entrada forte de empresas estrangeiras nesse segmento. Há ainda quem considere que o país possa se transformar numa ‘república petroleira’, com a destruição dos outros setores da economia, como aconteceu em outros países. No entanto, a economia brasileira tem vigor e diversidade, aliada a nossa capacidade de empreendedorismo que, sem dúvida, deverão superar todas essas pressões. E, claro, há o papel do Estado, que deve ser o elemento regulador desse processo”.
Só no ano passado, duas operações bilionárias realçaram a entrada das chinesas no país – a Sinochem adquiriu da Statoil 40% do campo Peregrino por US$ 3 bilhões e Sinopec pagou US$ 7,1 bilhões por 40% dos ativos da Repsol no Brasil. Até a BP, que só adquiriu blocos nas Rodadas zero e primeira, pagou US$ 7 bilhões pelos ativos da Devon, que incluiu uma participação no prospecto de Wahoo, na Bacia de Campos.
O apetite pode ser percebido até na bolsa de valores – a estréia da OGX marcou a maior oferta pública inicial da história da Bovespa, com a captação de R$ 6,7 bilhões. Mais modestas – mesmo assim bilionárias – a HRT captou R$ 2,6 bilhões em seu IPO, em novembro do ano passado, e a Queiroz Galvão levantou R$ 1,5 bilhão na oferta pública de ações realizada em fevereiro.

Um recente relatório da International Maritime Associates apontou que o Brasil representa 40% na carteira de pedidos de unidades de produção de petróleo e gás flutuantes em todo o mundo. Das 49 unidades – 35 FPSOs, seis DDS, um TLP, três
FSRU e quatro FLNG – encomendados, 19 têm a costa brasileira como destino.
Por si só, grandes reservas de petróleo e gás não são capazes de elevar
a prosperidade de nenhuma nação. Golda Meir, a primeira-ministra de
Israel entre 1969 e 1974, costumava dizer que a Terra Prometida – para onde Moisés guiou o povo hebreu após sair da escravidão no Egito – era mais uma bênção do que uma maldição: ao levá-los ao um dos raros lugares do Oriente Médio onde não há petróleo, forçou sua descendência a se capacitar em outros setores.
Que o pré-sal é uma oportunidade histórica de riqueza real, ninguém duvida. Em seu primeiro discurso, logo após a posse, a presidenta Dilma Roussef afirmou que a exploração da camada pré-sal é um “passaporte para o futuro” do país. E que seu governo terá a responsabilidade de transformar essa riqueza natural em uma poupança de longo prazo.
“Só há um país com grandes reservas de petróleo que deu certo: a Noruega. Boa parte da receita do petróleo foi investida na indústria e em educação. E hoje eles têm uma indústria de papel e celulose, petróleo e gás e eletroeletrônica imbatível”, argumenta
o presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos, Luiz Aubert Neto.
No início do ano, a Abimaq apresentou o manifesto “o que a Abimaq espera do novo governo?” Não é de hoje que a entidade alerta para o processo de desindustrialização que o Brasil assiste com a perda de competitividade de seus produtos em relação à concorrência global. Na lista dos produtos mais exportados em 2010, minério de ferro, petróleo, soja e açúcar representam 41,9% da receita – enquanto a pauta de importações foi dominada por combustíveis e lubrificantes, equipamentos mecânicos, eletroeletrônicos, automóveis e insumos químicos.
Uma injeção de petrodólares na economia expõe ainda mais a indústria nacional – é a tal da “doença holandesa”, que valorizou a moeda interna e minou outros setores da economia da Holanda na década de 70, como saldo da exportação de petróleo.
Felizmente os caminhos trilhados por Noruega, Holanda – e outros países ricos em petróleo, como Venezuela e Nigéria – já são conhecidos. Mas ainda há muitos nós a serem desatados – da deficitária infraestrutura à capacitação tecnológica, passando por uma bizarra estrutura tributária. Promover as tais reformas demanda um trabalho institucional do governo junto ao Congresso. Dilma começa seu governo com um apoio razoável à sua disposição. O problema é que, enquanto o empresariado pronuncia a palavra “tributo”, o Governo – de qualquer orientação política – ouve “receitas”.

Em palestra realizada a executivos do setor químico, o economista Delfim Neto disse que o pré-sal é o mecanismo que liberta a economia brasileira das duas restrições que sempre abortaram seu crescimento: a energia e o déficit da balança de pagamentos.

“Temos uma estrada bem consolidada, que vai permitir o crescimento de 5% a 6% ao ano nos próximos dez ou 15 anos, e seguramente quando terminarmos esse processo, teremos um nível de renda semelhante ao da Europa Ocidental de hoje”.

 


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