Edição 331 • 2011

EQUIPAMENTOS
NBR 15827 ganha nova versão,simplificada para impulsionar desenvolvimento tecnológico de fabricantes

Flávio Bosco

Questão para os engenheiros: você desenhou uma válvula esfera de 10 polegadas, classe de pressão 600 ANSI, corpo em aço carbono, vedação metal – metal, sede de PTFE + grafite e esfera em inox. Testou e homologou o protótipo. Agora precisa construir uma válvula de 12 polegadas para atender uma encomenda. Pode utilizar o mesmo projeto? Essa foi uma das principais questões levantadas pelo grupo que vem trabalhando na versão 2011 da NBR 15827 – a norma escrita para válvulas industriais destinadas a instalações de exploração, produção, refino e transporte de produtos de petróleo, com previsão de publicação ainda neste primeiro semestre.
O advento dessa norma virou tema de quase todas as conversas de quem teve que reinventar a produção desses equipamentos. Seu impacto pode ser dimensionado pelo peso que a indústria do petróleo – em particular o pré-sal – tem sobre as encomendas das empresas instaladas no país: um levantamento feito pelo Prominp projeta uma demanda de 405 mil válvulas no período 2011 – 2015. A primeira versão da NBR 15827 foi publicada em 2007, após um árduo trabalho feito a dez mãos – da Petrobras, dos fabricantes de válvulas, dos organismos certificadores, do Inmetro e da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Era a promessa de uma revolução na produção de válvulas industriais. Quem ainda tivesse a pretensão de vender para a Petrobras, teria um caminho a trilhar: desenhar um projeto, homologar, construir um protótipo e testar as válvulas. Se tudo tivesse saído como planejado, a qualidade desses equipamentos não seria mais uma preocupação para a Petrobras. A novidade causou um sobressalto entre os fornecedores.
E o grupo de trabalho voltou à mesa de reuniões antes mesmo que a norma passasse a ser exigida nas licitações. “Foram surgindo alguns pontos quando ela começou a ser implantada, e os projetistas e fabricantes acharam necessário fazer ajustes – alguns materiais precisavam ser expandidos, algumas tabelas de pressões e temperatura precisavam ser ampliadas e revisadas, além de harmonizar o texto com outras duas normas internas da Petrobras que poderiam gerar algum conflito”, resume o coordenador da revisão, Lourenço Righetti Netto. A revolução ainda está a caminho? A primeira tentativa de criar um padrão para a fabricação de válvulas industriais surgiu após a ocorrência de falhas que causaram acidentes e prejuízos consideráveis à Petrobras. O raciocínio estava baseado em uma simples relação de causa e efeito: era necessário criar um modo para assegurar a confiabilidade das válvulas – um equipamento relativamente simples, mas crítico para o caminho que o petróleo percorre desde o poço até o tanque dos automóveis, tratores e aviões. Técnicos da companhia escreveram então um padrão interno específico para homologação e validação de projeto e de testes de protótipo para os diversos tipos de válvulas utilizadas na Petrobras – a impactante N-2827 trouxe conceitos novos para o universo das válvulas industriais, como a curva de assinatura, que era a forma utilizada pelo centro de pesquisas da companhia para avaliar as válvulas submarinas. Reunidos sob o comando da Câmara Setorial de Válvulas Industriais da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos – Abimaq, os fabricantes conseguiram abrir diálogo com a petroleira para discutir várias definições concluídas na norma. Um grupo de trabalho foi formado com técnicos dos fabricantes e da Petrobras para olhar a norma com uma visão prática e apontar os obstáculos. Esse estudo exigiu incontáveis reuniões – quatro anos de trabalhos, para ser mais exato – para definir os critérios de análise de elementos finitos, o range de válvulas e os prazos para apresentação da documentação.
“A Petrobras sempre esteve disposta a ouvir os pleitos dos fabricantes”, destaca o presidente da Câmara, Pedro Lúcio.

De volta à mesa de revisões, antes mesmo de ser exigida

Qualquer norma pressupõe uma certificação. Faltava acertar a quem caberia essa tarefa: à própria Petrobras ou a uma entidade independente. Se assumisse mais essa função, a petroleira seria obrigada a inspecionar fábricas, testar os equipamentos e monitorar todo o processo. O grupo de trabalho decidiu pela segunda opção. Isso abriu caminho para que a N-2827 fosse transformada em uma norma NBR – nesses casos, a verificação da conformidade é feita por uma certificadora credenciada pelo Inmetro.
Mais três atores entraram para o grupo de discussões: a Associação Brasileira de Normas Técnicas, que regula as normas técnicas no país, o Inmetro e representantes dos organismos certificadores.
No dia 23 de outubro de 2007 a norma estava, finalmente, publicada – sob a alcunha “NBR 15827 – Válvulas industriais para instalações de exploração, produção, refino e transporte de produtos de petróleo – Requisitos de projeto e ensaio de protótipo”. Da forma como foi estruturada, prevê a adoção em três fases:  a primeira relacionada a documentação do projeto, incluindo o projeto de fabricação e análise dos elementos finitos. Na segunda fase, ocorrem os testes de validação dos protótipos, com testes cíclicos para avaliação de defeitos. Por fim, há os testes de produção, já prevendo a assinatura das válvulas. Fabricantes que pretendessem vender suas válvulas para a Petrobras tinham, a partir daquela data, um dever de casa – a petroleira até estipulou um prazo para começar a exigir a certificação em suas compras: julho de 2010 para a primeira fase, dezembro de 2010 para a fase de validação dos protótipos e junho de 2011 para a ultima fase. Via de regra, a exigência de um certificado é a senha para que fornecedores se mobilizem para seguir um padrão. Mas esse cronograma começou a ser reconsiderado assim que os fabricantes mergulharam nos processos de certificação. E se tornou um dos raros casos de norma que entrou em revisão sem sequer ter sido exigida: embora fosse mesmo complicado colocar um certificado como exigência enquanto todo mundo discutia aperfeiçoamentos na norma. Técnicos precisaram ser formados para fazer a análise dos projetos. Organismos certificadores precisaram traçar procedimentos junto com o Inmetro. Tabelas precisavam ser revisadas e ampliadas. Ao mesmo tempo esbarravam numa questão incontornável: não existiam no Brasil laboratórios onde realizar testes de ciclagem, de temperaturas extremas e de assinatura da válvula. Ainda seria necessário harmonizar o texto com outras normas internacionais referidas pela NBR 15827 e as duas normas internas da Petrobras. O que fazer? Voltar a negociar com a petroleira? Na prática, a NBR 15827 mostrou-se ainda mais complicada. “Nunca existiu nada, nem parecido, no mundo. Então todo mercado brasileiro está se adaptando”, ressalta Righetti. Em pouco menos de um mês, as linhas gerais da revisão já haviam sido traçadas e aceitas pela Petrobras. Entre essas linhas gerais está aquela questão colocada no primeiro parágrafo dessa reportagem: os fabricantes argumentavam que, se as alterações estivessem restritas à dimensão, um teste de protótipo deve validar três bitolas – a imediatamente menor e a imediatamente maior. Só com essa ação, os custos com testes de protótipo cairiam substancialmente. “Mostramos caminhos mais fáceis. E a certificação ficou mais tranquila graças ao empenho do grupo de trabalho da Petrobras”, reconhece Pedro Lúcio. Tranquila em termos: só para validar o projeto uma empresa gasta, em média, R$ 500 mil. Para cumprir as duas outras fases, o custo é ainda maior – por conta do investimento em laboratórios para validação dos protótipos e dos produtos. A Finep colocou na ultima Chamada Pública o financiamento para instalação de dois laboratórios – um no Centro de Tecnologia em Dutos – CTDUT, no Rio de Janeiro, e outro no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT. Enquanto esses laboratórios não estiverem em operação, as empresas terão que investir em infra-estrutura própria. Oito fabricantes brasileiros já conseguiram homologar seus projetos desde que a primeira versão da norma foi publicada – quase todos deverão concluir as duas outras fases ainda no primeiro semestre de 2011, segundo projeções da Câmara Setorial. “Empresas estrangeiras também estão se habilitando”, conta Pedro Lúcio. De certa forma, o advento da NBR 15827 sintetiza um ponto de inflexão no relacionamento entre Petrobras e fabricantes de válvulas. É provável que uma visão comum entre a petroleira e seus fornecedores jamais tivesse saído das intenções se ambos não aceitassem ouvir o outro lado.

Uma norma necessária?

As consequências dessa norma não se esgotam numa simples preferência nas compras da Petrobras. Ao aderir ao processo de certificação, as fabricantes deram um largo passo tecnológico no processo de produção de válvulas. “Para o usuário é uma garantia de que aquele produto vai atender plenamente os requisitos da
aplicação, especialmente aquelas extremamente críticas”, avalia Righetti. Foi essa lógica que embasou a decisão da Petrobras – com todo o processo fabril conhecido e certificado, seria mais fácil barrar um potencial problema. A ideia inicial da petroleira, de exigir a certificação a partir de julho de 2010, no entanto, foi revista. A princípio, a companhia criou, dentro de seu cadastro de fornecedores, famílias de materiais específicas para as válvulas certificáveis pela norma – lá constam informações das fabricantes que já tiverem seus projetos homologados. Agora discute internamente uma estratégia de licitação que estimule a evolução de todo esse processo. Enquanto isso, a Petrobras continua comprando válvulas – submarinas, industriais, de controle, dosadoras – diretamente dos fabricantes e via projetos em construção e embarcadas em grandes máquinas. Calcular, com exatidão, a quantidade adquirida por dia é uma tarefa impossível até para a Área de Materiais da petroleira – uma estimativa dos fabricantes calcula que mais de 120 mil válvulas são repostas, todos os anos, em plataformas, refinarias, dutos e terminais. A única certeza é que uma parcela substancial dessas compras é atendida por fabricantes brasileiros – o que mostra que esses equipamentos têm um nível de qualidade satisfatório.Acontece que uma avaliação da Petrobras – denominada Programa de Garantia da Qualidade de Materiais e Serviços Associados – deu uma nota baixa para as válvulas nacionais. Os problemas, em geral, estavam relacionados à qualidade dos insumos e aos projetos de engenharia e controle de qualidade – a engenharia reversa, com cópias de produtos adquiridos no mercado internacional, era um fenômeno comum na produção de válvula. Sem garantir a fabricação de equipamentos com confiabilidade operacional assegurada, não era possível mitigar aquelas falhas e acidentes. O Estudo de Competitividade do Setor de Petróleo e Gás encomendado pelo Prominp a pesquisadores da UFRJ confirmou a defasagem tecnológica que não deixa de corroer a competitividade de um segmento tradicional. Para Pedro Lúcio, a NBR 15827 colocará os fabricantes em um patamar diferenciado no que se refere a desenvolvimento tecnológico. “Quem vai ganhar com isso é a Petrobras, que vai ter válvulas nacionais ainda com mais qualidade”. A julgar pelo que se diz no universo dos “valvuleiros”, uma revolução está a caminho.

Bombas devem ter normatização similar

A NBR 15827 deverá ser a primeira de uma série de normas dedicadas a equipamentos utilizados pela indústria do petróleo. Essa pelo menos era a vontade da Petrobras, quando decidiu apostar na norma. Só estacionou nesse primeiro projeto porque a norma para válvulas exigiu mais dedicação do que os técnicos da petroleira esperavam. O resultado é que outros equipamentos críticos para a produção e o refino do petróleo – como bombas, caldeiraria e motores – continuem sem um regulamento tão específico. Internamente, os técnicos da petroleira já trabalham na atualização de suas normas – exemplo disso é a N-553, para bombas centrífugas instaladas em refi narias, que deve ganhar uma nova versão. Enquanto é uma norma interna, a responsabilidade da certifi cação está sob os ombros da Petrobras – ela mesmo visita fábricas, testa produtos e inspeciona todo o processo. Para se transformar em uma norma da ABNT, precisará passar por todo o processo de reuniões entre fabricantes, petroleira e organismos certifi cadores.
O mesmo Estudo de Competitividade produzido pela UFRJ apontou lacunas também para esses equipamentos – como o baixo investimento em inovação. Entre os fabricantes de bombas, por exemplo, o valor médio de investimentos em pesquisa e desenvolvimento é de 0,86% do faturamento. "Há um bom relacionamento entre as empresas e as universidades. Mas não existe uma troca de informação mais intensa", reconhece o diretor de vendas da Sulzer no Brasil, Jonas Lessa. A certificação NBR 15827 não é restrita às empresas nacionais – e nem foi criada com o objetivo explícito de funcionar como uma barreira técnica, apesar da invasão de válvulas chinesas no país.
Fabricantes estrangeiros também podem se qualificar se quiserem continuar vendendo a partir do instante em que a Petrobras passar a exigir o certificado do Inmetro. Estabelecer normas com o objetivo
implícito de evitar a importação seria um equívoco, avalia o professor Adilson de Oliveira, do Instituto de Economia Industrial da UFRJ. "É importante ter normas brasileiras e normas internacionais para proteger o setor de petróleo no Brasil da entrada de válvulas que não respeitem os requisitos de segurança, e que possam colocar em risco toda a produção de petróleo no Brasil. Porque um acidente de proporções como o que aconteceu no Golfo do México pode levar a indústria de petróleo no Brasil à bancarrota".


 

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