Edição 327 • 2010

O desafio do diesel S-10
Pressionadas pelas legislações ambientais, as refinarias abrem agora uma nova era de desenvolvimento tecnológico para reduzirem (ainda mais) o teor de contaminantes nos combustíveis.

Flávio Bosco

Quando Henry Ford inaugurou a produção automobilística em uma linha de montagem, em 1908, a indústria do refino teve talvez a última boa notícia de sua história. A massificação do motor de combustão interna abriu o reinado das refinarias. Os desafios – que começaram com a eficiência energética síndrome de dois choques do petróleo, atravessaram a chegada dos óleos pesados e ácidos e agora estão relacionados às legislações ambientais mais rigorosas – tornaram árdua a manutenção desse trono. As refinarias, que já haviam lançado mão de métodos físico-químicos para produzir o mesmo derivado com uma matéria-prima menos propícia, passaram a investir, nas duas últimas décadas, em plantas de hidrotratamento para produzir combustíveis com baixos teores de contaminantes. "Nos últimos 20 anos o refino não vem sendo uma atividade economicamente atrativa – o único respiro ocorreu nesses últimos cinco anos, quando as refinarias tiveram margens muito acima da realidade.

Mas desde 1990 nos EUA, o setor tem enfrentado o desafio de especificar seus combustíveis sem recuperar nos preços o investimento. Isso leva a uma enorme pressão nas margens", explica o professor Alexandre Szklo, coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. As margens para algumas refinarias européias, mesmo as mais complexas, não passam de US$ 1,5 para cada barril processado. As plantas que não fecharam, operam com fator de utilização da capacidade abaixo dos 80%. Será o fim da linha para o petróleo? Queimar combustível fóssil também começou a ser visto como uma atividade sem glamour depois que o aquecimento global entrou no vocabulário da sociedade contemporânea. Há mais de 800 milhões de automóveis em circulação no mundo, contribuindo para encher a atmosfera com CO2.

Até esgoto doméstico já é testado para mover os carros – praticamente trazendo para a vida real a ultima cena do filme "De volta para o futuro", em que o cientista Doc Brown reabastece com lixo a bateria que move sua máquina do tempo. Com massivos investimentos em P&D, idéias como essa ou como os carros elétricos e híbridos podem até se tornar economicamente viáveis – mas isso ainda vai demorar um bom tempo. Veículos movidos a gasolina e diesel são facilmente abastecidos e ainda apresentam os melhores desempenhos. E eles são muito menos poluentes e muito mais eficientes hoje do que há 30 ou 50 anos. Aprofundar o tratamento dos combustíveis que saem das torres de destilação e craqueamento ainda é o expediente mais viável. A Comissão Européia impôs limites estritos às refinarias: o teor de enxofre no diesel não pode ultrapassar 10 ppm. A legislação brasileira não permitirá mais a comercialização de diesel fora dessa especificação em 2012 – quando os veículos pesados devem sair da fábrica equipados com os motores Euro 5.

Cinco unidades de HDT já previstas para serem construídas no parque de refino da Petrobras serão adaptadas para a produção do diesel S-10 – uma mudança que custará US$ 3 bilhões aos cofres da Petrobras. Um ano depois será a vez da gasolina. As novas refinarias também terão que atender essas restrições caso a exportação esteja em seus planos. A situação da companhia é um pouco delicada: até 2013, a Petrobras terá investido mais US$ 6 bilhões em novas unidades para a produção dos combustíveis com baixos teores de enxofre. Mas são raros os projetos que ela consegue colocar em operação dentro do prazo previsto. Tem sido assim com as unidades de HDS da Reduc – que só devem entrar em operação no próximo ano – e com a Recap – que adiou por alguns meses o fim das obras da carteira de gasolina.

A distribuição do diesel S-50 – também com 50 ppm de teor de enxofre – produzido em suas refinarias começou a ser feita no ano passado. Para atender a Resolução Conama 315/2002, que exigia a distribuição do diesel com baixo teor de enxofre nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, a Petrobras chegou a importar o combustível com essa especificação. O cronograma original previa determinava a redução de emissão de poluentes por veículos movidos a diesel a partir de 2009. Mas, às vésperas da obrigatoriedade entrar em vigor, a indústria automobilística não havia fabricado veículos com os motores Euro IV – o que levou o Governo Federal firmar um Termo de Ajustamento de Conduta com a Petrobras, a Fecombustível, a Agência Nacional de Petróleo e as montadoras. As regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife, Belém e Curitiba também passaram a receber o diesel no ano passado. Em 2010 a entrega foi estendida para Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte e a partir de 2011 passará a valer para as regiões de Campinas, São José dos Campos e Santos, em São Paulo.

Daqui a três anos, a Petrobras promete entregar três tipos de diesel com baixos teores de contaminantes: o S-500 para o interior, o S-50 para as regiões metropolitanas e o S-10 para os novos motores. Acontece que produzir o diesel com 10 ppm de enxofre esbarra em limitações técnicas: componentes que nem são tão relevantes para a produção do diesel S-50 – que tem 50 ppm de enxofre – são verdadeiros oponentes para o diesel S-10. O próprio H2S inibe a reação no HDS "profundo" – projetado para produzir diesel com esse teor de enxofre. A busca pelos combustíveis limpos move linha de pesquisas em busca de processos avançados – a Akzo Nobel e a Cosmo Oil já apresentaram alguns catalisadores e aditivos para lidar com a questão. Também há uma corrida paralela em busca de novos reatores que façam uma destilação catalítica.

_______________________________________________________ Agência Petrobras

Obras da Rnest: apesar dos atrasos nos cronogramas, Petrobras quer ampliar capacidade de refino

 


A idéia, apresentada pela Albermale, é dividir a corrente do gasóleo conforme o teor de enxofre de seus componentes. Ao invés do máximo nível de severidade para todo o gasóleo, a rota tecnológica busca níveis diferentes de severidade dentro do reator do HDS conforme cada componente. "Isso permite ter menor consumo de energia e danificar menos a carga", explica o professor Alexandre Szklo. Mas já existem plantas piloto testando tecnologia de dessulfurização sem o consumo de hidrogênio – a mais avançada é a dessulfurização por oxidação, em que o diesel é oxidado e o enxofre é removido como um composto polar. Outro caminho seria alternar o petróleo com matérias-primas alternativas. A China, com suas megarreservas de carvão calculadas em 114 milhões de toneladas, opera sua primeira refinaria de petróleo equipada com um gaseificador de carvão. Na África do Sul – uma das lideranças mundiais em tecnologia de gaseificação– uma refinaria que utiliza a tecnologia Petroflex de FCC petroquímico, também tem um gaseificador da Sasol para processar carvão. O problema é que a matéria-prima não deixa de ser fóssil.

O Brasil está na privilegiada situação de já ter uma experiência com o uso de óleo vegetal direto no HDT para produzir o H-Bio – um processo desenvolvido pela Petrobras para produção de diesel com mais cetanas e menor teor de enxofre utilizando a mistura de petróleo com óleos vegetais. Agora a Amyris irá testar nos ônibus urbanos uma mistura de diesel feito a partir da fermentação do bagaço da cana-de-açúcar. Em tese, qualquer refinaria está apta a utilizar essas matérias-primas alternativas – se não for possível colocá-las diretamente nos processos de refino, pelo menos podem servir como carga para geração de energia, ou mesmo serem adicionados aos produtos, como acontece com o biodiesel. Mas aí entra em cena a mesma limitação econômica: todas as alternativas podem dar mais flexibilidade ao refino, mas ainda são caras demais.

A gaseificação do carvão associada à síntese de Fischer–Tropsch para fazer derivados líquidos sintéticos, por exemplo, ainda não consegue competir com a produção de derivados de petróleo. Podemos alcançar essa competitividade algum dia? "Isso vai depender muito da produção de gás natural. Se ela se expandir muito, também haverá oferta de líquidos condensados de alto grau API. Isso atrasará a possibilidade desses processos não convencionais. Salvo os refinadores que queiram ter um pé na pesquisa e desenvolvimento, ninguém estará propenso a investir em processos de conversão profunda para trabalhar com diferentes hidrocarbonetos", avalia o professor. Ou não. O desenvolvimento pode ainda colher os benefícios da pesquisa por eficiência e redução de custos na geração elétrica. "Quando você aprende a gaseificar o carvão de forma custo-efetiva para geração elétrica, o passo para produzir líquidos sintéticos é facilitado". Inovações tecnológicas e tendências de consumo que, no mínimo, representarão mudanças estruturais para as refinarias.




Petrobras prepara o terreno de novas refinarias
Enquanto conclui a terraplanagem da Refinaria Abreu e Lima – Rnest, a Petrobras dá início a terraplanagem no terreno que irá abrigar a Refinaria Premium, na cidade de Bacabeira / MA. Em comum, as novas refinarias inauguram um novo patamar de escala e a produção de derivados com padrão internacional de teor de contaminantes. A Rnest, por exemplo, nasce com capacidade para processar 230 mil barris por dia – quase a mesma capacidade da Reduc, construída há 50 anos. Também já estréia produzindo o diesel S-10. O maior desafio até agora tem sido cumprir o cronograma – quando foi lançado, em 2006, o projeto previa que as torres de destilação começassem a jorrar os primeiros fosse inaugurada este ano.

A operação agora está prevista para 2012. A terraplanagem – alvo de críticas do Tribunal de Contas da União, que apontou indícios de superfaturamento – sofreu com as chuvas. O projeto também foi revisto: originalmente a Rnest processaria 200 mil barris, mas uma folga prevista na capacidade nominal dos equipamentos viabiliza o aumento da produção para 230 mil barris por dia. E os contratos para aquisição de equipamentos e serviços exigiram um tempo maior de negociação – a Petrobras tomou como premissa não construir a refinaria a qualquer custo, e nas exaustivas negociações, conseguiu uma economia de R$ 6,7 bilhões. As últimas refinarias construídas pela Petrobras sempre previram espaço para ampliação da capacidade.

E nesse intervalo de três décadas em que ficou sem construir uma nova refinaria, os investimentos tiveram como foco aproveitar ao máximo essa opção. Agora essa alternativa está esgotada: não há mais espaço disponível para a construção de novas unidades de destilação ou utilidades. Daqui para frente, a ampliação na capacidade de processamento depende dessas novas refinarias. O plano da Petrobras é chegar em 2020 refinando 3.196 mil barris por dia. O Plano de Negócios 2010-2014, apresentado em junho, reserva um investimento de US$ 73,6 bilhões para o segmento de Refino, Transporte e Comercialização – nesse período, a capacidade instalada aumenta dos atuais 1.831 mil barris para 2.260 mil barris por dia, enquanto a demanda de derivados cresce de 1.933 mil barris para 2.356 mil barris por dia. No valor estão computados os grandes projetos da Rnest e a primeira fase do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - Comperj e da Refinaria Premium I, que irão consumir metade do orçamento. Após 2014, estão previstas a segunda etapa do Comperj e da Refinaria Premium I e a refinaria Premium II, no Complexo Industrial e Portuário do Pecém / CE. Também estão incluídas as novas unidades de hidrotratamento para reduzir o teor de enxofre do diesel e da gasolina e a ampliação da Refinaria Clara Camarão, em Guamaré / RN.

Mega refinarias

Originalmente previsto para integrar o refino de petróleo pesado e a produção de matéria-prima petroquímica, o Comperj foi ampliado e dividido em uma refinaria e uma central petroquímica independentes. O projeto original previa o processamento de 150 mil barris por dia em uma única unidade petroquímica básica, mas a Petrobras decidiu também aproveitar as folgas e duplicar a planta. Outra decisão foi começar a produção por combustíveis – sobretudo diesel e QAV, que apresentam um expressivo crescimento de demanda. O objetivo é colocar o primeiro trem da refinaria em operação em setembro de 2013 – um ano após a previsão original – com capacidade para processar 165 mil barris por dia. A produção petroquímica, no entanto, estará operacional em 2015. Já o segundo trem, com mais 165 mil barris, entrará em operação em 2018.

No Maranhão, os serviços de terraplanagem, drenagem e obras de acesso serão feitos pelo consórcio Galvão-Serveng-Fidens nos próximos dois anos e meio. A Premium I, maior refinaria da América Latina, terá capacidade de processar 600 mil barris/dia de óleo. É um volume nada desprezível: é quase o dobro da Replan, a maior refinaria da Petrobras em operação, e representará quase 20% de toda a produção nacional.

A Premium II tem metade desse porte e está programada para entrar em operação em 2017. A Petrobras prepara o EIA/Rima e a sondagem do terreno onde a refinaria será instalada – o Governo do Estado ainda tem que resolver um impasse com os índios anacés, que reivindicavam parte do terreno. A Petrobras ainda espera a entrada da Mistui – na Premiun II – e da Marubeni – na Premium I – com até 20% de participação acionária, como previsto nos memorandos de entendimento assinados no ano passado.
Ainda este ano a Petrobras pretende inaugurar a operação da Refinaria Potiguar Clara Camarão – RPCC, uma planta produtora de GLP, diesel e QAV instalada no Pólo Industrial de Guamaré / RN, que recebeu um investimento de US$ 215 milhões para também produzir gasolina e nafta petroquímica.

 

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