Edição 326 • 2010

O fim da manutenção
As empresas têm avaliado com maior rigor a atividade de manutenção, a reboque da busca por maior eficiência operacional e financeira. Práticas baseadas em confiabilidade mudam a cultura de reparos nas plantas industriais

Flávio Bosco

A conjunção de metodologias de engenharia com sistemas que monitoram o desgaste de equipamentos está reinventando o papel da manutenção. A busca por maior efi ciência operacional e tam- bém financeira tem atuado como o principal catalisador dessa metamorfose, levado as empresas a avaliarem com maior rigor o modo de lidar com as plantas industriais. Será o fim da manutenção?

É bem provável que toda a estrutura montada com a função de consertar coisas quebradas ainda exista, mas tudo indica que esse tipo de trabalho começa a evaporar – e ainda que sua percepção seja incipiente, já ocupa menos da metade do HH dispendido pela turma da manutenção. A indústria petroquímica conseguiu importar e adequar à sua realidade, até com certo domínio, as técnicas de confi- abilidade oriundas da aviação e da indústria nuclear para garantir que uma instalação esteja pronta para operar quando o botão for acionado.

"Quando alguém via um programa de confi abilidade, que era algo pesado, logo fugia. Com o desenvolvimento de algumas técnicas, entre elas o RCM, várias empresas de risco de segurança menor estão absorvendo e customizando essas técnicas", aponta o diretor de operações da Manserv, Claudinei Silva. RCM – sigla em inglês para Manutenção Centrada na Confi abilidade – e as ferramentas Análise de Modos de Falha, Análise RAM, Análise de vida útil de equipamentos, ensaios acelerados, crescimento de confi- abilidade e confiabilidade humana tornaram-se subsídios para a tomada de decisão. Trata-se de uma evolução dos métodos adotados pelos técnicos da área. A manutenção preventiva, que no limiar dos anos 90 surgia para suplantar a era do "quebra & conserta", acabou não se mostrando a mais adequada – a indústria tinha deixado de ser surpreendida mas, euforicamente, passou a substituir tudo durante uma parada.

O problema é que nem tudo precisava ser trocado. A manutenção centrada em confiabilidade inverte essa dinâmica: a metodologia conseguiu provar que a manutenção com base no tempo não funciona para todos os equipamentos. Na realidade, cada componente exige um controle individual. "Você dá o remédio na medida correta", explica Claudinei. Em outras palavras, a manu- tenção corretiva tem – e ainda terá – sua parcela entre as atividades do técnico – seja para as atividades que conseguiram driblar o sistema, ou simplesmente porque essa era a melhor alternativa econômica.

Segundo o Documento Nacional, elaborado pela Associação Brasileira de Manutenção - Abraman, a manutenção corretiva ainda consome 29,85% dos recursos aplicados. A líder ain- da é a manutenção preventiva, com 38,73%. Já a manutenção preditiva consome 13,74% do total. Há um conjunto de empresas, porém, em que os profi ssionais da manutenção não esperam o problema acontecer – suas tarefas não fi cam limitadas apenas ao suporte à operação. "Atualmente existe a participação de profi ssionais de manutenção nos novos projetos de unidades produtivas e a participação em atividades multidiciplinares, como a implementação de alguma ferramenta de engenharia de confi abilidade para melhoria de unidades em operação ou em projeto", conta o engenheiro Eduardo Calixto, um dos "Certified Reliability Professional" que a Petrobras mantém em seus quadros. Não existe uma resposta única.

A solução vai variar de setor para setor, de empresa para empresa – diferentes processos produtivos possuem características específi cas que vão definir qual o tipo de manutenção e em qual fase da vida útil do equipamento sua manutenção será mais efetiva. Mesmo aqueles de alta confiabilidade, que no final da vida útil, quando a taxa de falha aumenta junto com o custo, precisarão de uma análise individual, que indicará a hora de sua substituição. "A questão central é a definição dos requisitos de confi abilidade necessária para que os equipamentos permitam os siste- mas produtivos atingir a disponibilidade requerida no tempo esperado", acrescenta Calixto.

Há dois cálculos nessa história: um diz respeito ao custo unitário operacional, definido pela função de custo operacional total – que considera o custo de manutenção, custo de aquisição do equipamentos e custo de perdas financeiras em consequência das paradas do sistema. Outro é justamente o retorno sobre investimento em manutenção, que pode ser definido utilizando a usual técnica de análise de viabilidade de projetos por análise da taxa interna de retorno. "Uma boa prática para calcular o retorno desse investimento é a analise do ciclo de vida do equipamento, que avalia o uso do equipamento à luz da sua estratégia e de seu custo", conta Claudinei. Investir em manutenção preditiva em equipamentos de fácil reposição não é a melhor alternativa econômica. A despesa, no entanto, deve ser direcionada aos equipamentos críticos ao processo.

 




Ética
As empresas brasileiras gastam, por ano, R$ 120 bilhões em manu- tenção – 31% com pessoal, 33% com material, 27% com serviços contratados e 9% com outros itens. Isso é 4,14% do faturamento das empresas. Com pequenas variações, esses percentuais se mantêm estáveis há 15 anos, mas o valor total cresceu 33% nos últimos dois anos, puxado pelo aumento da produção e investimentos para evitar paradas não programadas e acidentes am- bientais.

O levantamento da Abraman, realizado com as maiores empresas do país, mostra ainda que a idade média de equipamentos e instalações varia de 11 a 20 anos em 44% das empresas. 31% das companhias têm ativos com menos de dez anos de utilização. 25% das indústrias possuem máquinas e plantas com idade superior a 21 anos. A efi cácia pode ser maximizada levando em conta o conjunto de medidas do desempenho – que envolvem tanto o levantamento estatístico do tipo e condições da falha, quanto o equipamento envolvido e sua frequência.

Essa é uma informação fundamental para identifi car uma inadequação do equipamento ou da operação. Cálculos de tempo médio para falha - MTTF, tempo médio entre falhas - MTBF e tempo médio para reparo - MTTR são indispensáveis para monitorar a manutenção e avaliar sua relação de custo e benefício – trocando em miúdos, se a disponibilidade do equipamento igualar o custo da manutenção realizada, o processo de manutenção utilizado é adequado para a linha produtiva. "Empresas que estão em fase avançada na sua gestão não precisam mais aplicar metodologias como TPM e 5S, pois essas metodologias já foram adaptadas em programas internos", ressalta o engenheiro Silas Oliveira, autor do blog Empresário da Manutenção.

Há uma máxima nessa nova forma de tratar da unidade industrial: disponibilidade e confi abilidade. Signifi ca que os equipamentos têm que atender ao chamado quando precisam funcionar. Só não dá para padronizar tudo – por isso é necessário priorizar os serviços. A manutenção centrada em confi abilidade foi a forma encontrada para assegurar a disponibilidade e a confi abilidade dos equipamentos de cada sistema. Um método que envolve um tratamento científi co mais apurado exige também a qualifi cação dos profi ssionais envolvidos.

De acordo com os especialistas ouvidos por Petro & Química, o técnico da área de manutenção tem que se familiarizar tanto com a nova geração de equipamentos e ferramentas quanto com os fenômenos que causam desgaste em uma unidade industrial. "O grande desafi o está nas pessoas. Cada vez temos mais técnicas de manutenção e equipamentos mais complexos. O homem da manutenção tem que aprender a lidar com essa complexidade e, além disso, ter uma visão dos fenômenos, porque onde há corrosão, continuará havendo corrosão", explica o diretor da Manserv. "No caso do fator humano é necessário aproveitar o conhecimento das gerações de profissionais mais experientes e mesclar com as novas práticas e ferramentas que os profissionais mais jovens possuem, tendo assim uma manutenção inteligente.

O segundo grande desafi o é a visão estratégica da manutenção, ou seja, planos de investimento em programas de desenvolvimento pessoal, planos de investimentos em equipamentos e programas de manutenção a longo médio e curto prazo", completa Calixto. A atividade de suporte à operação não acabará. Nem dependerá exclu- sivamente de computadores. Pelo contrário, a manutenção terá um papel fundamental na estratégia de sustentação das empresas. E será o resultado da junção entre tecnologia e mão-de-obra qualifi cada. Nada de ruptura – apenas uma grande conectividade com o que já é feito.

 
 

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