Edição 318 • 2009

Transportando inovação
Expansão da malha de dutos abre espaço para inovações em construção e materiais

Flávio Bosco

“Choveu demais. Os equipamentos estão todos alagados!” A noticia recebida logo pela manhã deixaria qualquer engenheiro atônito. Mas o exíguo prazo para entrega da obra nem dava tempo para discussões – e uma operação de guerra foi travada nas horas que se sucederam para resgatar as máquinas e retomar os trabalhos. O primeiro trecho do Gasduc – de 13 km, que levaria gás natural do terminal de Cabiúnas até as usinas termelétricas da região norte fluminense – teria que ficar pronto até abril. A construção não teria como escapar dos meses mais chuvosos na região Sudeste.

O que não estava fora de qualquer previsão era um regime de chuvas muito maior do que a média dos últimos dez anos. Chuva sempre foi um tormento para as empreiteiras. Foi até objeto de um subgrupo de trabalho formado entre a Petrobras e a Associação Brasileira de Engenharia Industrial – Abemi, para definir um critério unânime sobre o impacto das chuvas nos empreendimentos. Quando o período de obras coincidia com a época de chuvas, era comum as propostas internalizarem um risco de paralisação – estimada sempre pela média de chuvas do período. A conclusão encontrada pelo subgrupo – e que atualmente é adotada nas licitações – foi estabelecer um procedimento em que as prestadoras de serviço apresentem propostas “secas”, e têm ressarcidos os dias de trabalho interrompidos pelas chuvas.

Cabia àqueles engenheiros, do consórcio Odetech – formado por Odebrecht e Techint – um detalhado estudo sobre a opção de técnicas especiais para a construção de um dos trechos do Gasduc. Trata-se do gasoduto de maior diâmetro – 38 polegadas – já construído no Brasil, que interligará o terminal de Cabiúnas, em Macaé, à estação de compressão de Campos Elíseos, em Duque de Caxias, distante 178 km. Quando estiver pronto, em novembro, carregará 40 milhões de m³ de gás por dia – é mais do que a capacidade que o Gasbol tem para trazer gás da Bolívia até São Paulo.

“É um duto de grande complexidade, que passa por regiões com muitas áreas alagadas e com trechos que passam dentro de cidades. Isso demandou uma série de novas tecnologias, um trabalho intenso de logística e de relação com a comunidade e com o meio ambiente”, destaca o diretor de operações da Techint, Guilherme Pires de Mello.

De inicio, a obra não deveria abrir mão da tecnologia push-pull, que permite trabalhar em áreas alagadas. Por se tratar de um gasoduto de diâmetro superior aos que estão em operação no país, foi necessário importar parte dos equipamentos adotados na obra – os sidebooms 594 importados da Arábia Saudita e dos EUA são os maiores já utilizados na construção de um gasoduto no Brasil.

Outras novidades adotadas na construção aumentaram o índice de produtividade da construção de dutos – como as modernas valetadeiras e escavadeiras usadas no desmonte de rochas. Alguns se tornaram benchmark, como o ultrassom automático, que permite resposta da qualidade das soldas dos tubos. Pela metodologia tradicional, os laudos da radiografia só eram conhecidos no dia seguinte – com um enorme risco de exigirem retrabalhos em um número significativo de junções, caso apontassem defeitos na soldagem. A própria soldagem automática permitiu – nos trechos retos e planos – executar o serviço na metade do tempo gasto pelo trabalho manual. “O equipamento de solda entra nos tubos, limitando os trabalhos em curvas e rampas acentuadas”, ressalta Guilherme.

Quando o assunto é prazo, há duas saídas. A mais óbvia é aumentar a quantidade de operários e equipamentos – embora ninguém seja muito adepto dessa solução, que depende muito da disponibilidade de equipamentos, e que puxa para baixo os índices de produtividade por operário. A outra alternativa é adotar técnicas modernas. Várias dessas soluções foram necessárias para vencer os desafios do Gasduc: um túnel foi construído para travessia da Serra dos Gaviões, localizada entre as cidades de Cachoeiras de Macacu e Silva Jardim. A opção poupou o desmatamento de uma boa parte da Mata Atlântica, e trouxe a reboque outra inovação: os sistemas de roletes que permite que os enormes tubos sejam soldados do lado de fora e depois rolados para dentro do túnel – isso significa menos tempo de montagem e a perfuração de um túnel de diâmetros menores, que não precisará ter espaço para a entrada de operários e equipamentos de soldagem.

“A construção e montagem de dutos para transporte de petróleo e gás é uma obra com características muito peculiares, especialmente os projetos executados no Brasil, dada a grande diversidade de condições geotopográficas e das diferentes regiões no país. São empreendimentos que, na maioria das vezes demandam grande mobilização de recursos, tanto de pessoal como de equipamentos e de suporte logístico, em um curto espaço de tempo”, explica o engenheiro Conrado Serôdio, diretor de Negócios da GDK, responsável pela construção dos gasodutos Caraguatatuba-Taubaté e parte do Cacimbas-Catu.

Na essência, os desafios são semelhantes para a construção de qualquer duto – mas cada um tem sua complexidade, o que exige uma dinâmica de planejamento diferente para cada obra. O duto que vai levar o gás de Urucu para Manaus é um bom exemplo de: técnicas inovadoras de construção que foram adotadas para diminuir os danos ao ambiente. São 661 km de extensão cortando, uma região da floresta amazônica marcada pelo intenso regime de chuvas, variação do nível de cursos d’agua e rios ao longo do ano, que pode chegar a 13 metros, e por condições de solo pouco propícias para o transporte de máquinas e acesso de trabalhadores desde os canteiros de obras. Em alguns trechos da obra, o tempo de deslocamento dos operários até as frentes de trabalho chegou a ser de seis horas. Pela primeira vez, uma obra de gasodutos terrestres foi executada em parte sob os rios, utilizando metodologia similar a adotada para dutos marítimos. Alguns tubos tiveram de ser transportados por helicópteros.

Já o Gasduc atravessa oito cidades, estradas, rios e montanhas, trechos em área de relevo e de solo instáveis, e propriedades – em uma delas, a maior dificuldade foi convencer o dono de um pomar que os operários não roubariam suas laranjas. “Numa obra, é necessário ter um processo de treinamento com o nosso pessoal e um trabalho de relacionamento para garantir uma relação harmoniosa com a sociedade”, lembra o executivo da Techint.

Muitas vezes os tubos precisaram ser concretados para garantir maior estabilidade – o que aumenta seu peso de seis para 18 toneladas, exigindo a adoção dos sidebooms de grande porte. No trecho a cargo da Odetech, a construção utilizou dois furos direcionais para atravessar rios e a metodologia de push-pull em áreas alagadas. Dos 15 meses de trabalho, a execução efetiva está sendo realizada em um ano – os três meses iniciais foram gastos com toda a mobilização.

Numa obra dessas, as condições de cada trecho somente podem ser efetivamente conhecidas na medida em que a obra avança cada metro. “É uma obra essencialmente linear, aberta e permanentemente sujeita às variações das condições meteorológicas, de topografia, de região, que se alteram a cada novo dia de produção”, destaca Conrado.

Em um dos painéis da próxima edição da Rio Pipeline, o diretor da GDK irá apresentar a experiência na obra de reabilitação de 30 km do oleoduto São Sebastião-Cubatão – de 24 polegadas – com construção do novo duto ao lado da linha em operação há quase quatro décadas e numa faixa de apenas 10 metros de largura marcada pela extrema sensibilidade sócio-econômica e ambiental no entorno do empreendimento.

A infraestrutura para transporte de petróleo e gás natural da Transpetro, atualmente em 25.197 km, crescerá significativamente nos próximos cinco anos – se todo o investimento de US$ 8 bilhões sair do papel, a malha ganhará mais 2,4 mil km de gasodutos, 1 mil km de oleodutos e 2 mil km de alcooldutos. Isso demandará, segundo levantamento do Prominp, 185 válvulas, 13 citygates, 98 compressores, 98 turbinas e 410 mil toneladas de aço.

Nas fábricas de tubos e nas siderúrgicas, os trabalhos de pesquisa têm como foco o desenvolvimento de materiais menos ligados, feitos com a tecnologia de resfriamento acelerado, para aumentar a resistência e tenacidade. O aço carbono API 5L X-70, utilizado em quase todos os dutos construídos no Brasil nos últimos anos, começa a ceder espaço para o API 5L X-80 – os dutos feitos pela TenarisConfab para o trecho terrestre que liga a plataforma de Mexilhão na Bacia de Santos à planta de tratamento em Caraguatatuba utilizam esse tipo de aço pela primeira vez. Mas os fabricantes já testam os aços X-100 e X-120 para trabalhos com pressões de escoamento maiores sem aumento de espessura do tubo.

Novos materiais também começam a ser utilizados nos dutos offshore, para suportarem as pressões em lâminas d’água superiores a 2 mil metros. A própria TenarisConfab e a Corus estão produzindo os tubos para a construção do gasoduto que interliga o projeto piloto do campo de Tupi à plataforma de Mexilhão. Serão 228 km de tubos do tipo sour service, de 18”, com espessuras que variam de 1,125” a 1,250”. O tipo de material para serviços severos, atende a alta resistência a corrosão decorrente dos elevados teores de CO2 e H2S.

“A essas profundidades, o tubo simplesmente colapsa se não tiver uma resistência adequada. Manter os aços X-65 normalmente utilizados exigiria tubos com espessuras maiores, o que aumenta o peso da linha. Junto com a Petrobras estamos desenvolvendo materiais X-70 e X-80”, conta o gerente da Engenharia de Produto da Tenaris Confab, Luis Cláudio Campos Chad.

Depois de um ano e meio de pesquisas, as chapas já foram produzidas pelas siderúrgicas e agora a TenarisConfab dará início a bateria de testes para conhecer o comportamento dos tubos em laboratório.

A produção nos campos do pré-sal exigirá projetos especiais para os dutos submarinos. Além dos projetos para risers flexíveis – agora adaptados para as condições do pré-sal – a Petrobras estuda a possibilidade de adotar risers rígidos desacoplados da plataforma – neste caso, a previsão dos engenheiros da companhia é usar dutos cladeados com inconel 625 para as funções de produção de óleo e injeção de gás.

O escoamento de óleo deverá ser feito, em uma primeira fase, através de navios aliviadores. Já o escoamento do gás começará a ser definido à medida que o método de recuperação para cada reservatório for definido – a Petrobras não esconde que o gás poderá ser usado para aumentar a recuperação dos campos, mas já convidou empresas de engenharia para desenvolverem um projeto de uma planta de liquefação de gás em alto mar, por conta dos 300 km que separam a área do pré-sal do continente. Pelas contas do consultor Marco Aurélio Tavares, da GasEnergy, o gás liquefeito em alto mar e transportado por navios até a costa chegaria ao consumidor por US$ 7,3 / MMBTU, ao passo que o gás transportado por gasoduto offshore custaria US$ 8,50 / MMBTU para o gás.

Push-pull adotado na construção do Gasduc: travessia de áreas alagadas

 

Movido a álcool

Luis Cláudio também acompanha de perto os estudos realizados pelo Centro de Pesquisas da Petrobras e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas relativos ao transporte de etanol por dutos. “Os projetos estão sendo desenhados pelas empresas que, muito provavelmente em breve devem iniciar as encomendas”. O engenheiro se refere aos três projetos para escoamento de etanol das usinas instaladas no Centro-Oeste e no Estado de São Paulo até os portos de São Paulo e Rio de Janeiro.

O mais avançado é o corredor desenhado pela PMCC, uma joint venture formada por Petrobras, Mitsui e Camargo Correa – a obra, orçada em mais de US$ 1 bilhão, ampliará para 13 milhões de m³/ano a capacidade de exportação do País. O duto terá 1056 km de extensão total, partindo de Senador Canedo / GO, passando por Buriti Alegre / GO, Uberaba / MG, Ribeirão Preto, Paulínia e Guararema / SP. Deste ponto seguirá para o terminal da Ilha D’Água, no Rio de Janeiro, ou para São Sebastião / SP. Existirá também um trecho ligando Santa Maria da Serra / SP até Paulínia. A expectativa da Petrobras é que, já no final de 2010 o sistema esteja transportando 12 milhões de m³/ano do produto de Uberaba a Paulínia e 6 milhões de m³/ano de Paulínia aos terminais de São Sebastião e da Ilha D’Água.

O projeto da Centro Sul ligará o Centro-Oeste ao porto de Santos, em São Paulo, com um duto de 1,2 mil quilômetros e capacidade de transportar 8 milhões de m³ por ano - o que significa um investimento de R$ 2,7 bilhões que deverá estar operacional em 2012. A empresa, que estima uma economia de 12% nessa modalidade em relação ao transporte rodoviário, admite formar parceria com a Uniduto para aproveitamento de sinergias com o projeto de construir um duto de 600 km que interliga Sertãozinho / SP ao porto de Santos – esse projeto teria capacidade de escoar 6 milhões a 7 milhões de m³ por ano e demandaria um investimento de R$ 1,8 bilhão.

No acumulado da safra 2009/2010, as exportações de etanol já chegaram a 1,79 bilhão de litros, segundo dados levantados pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar – Unica. Estimativas apontam potencial de exportação, até 2025, de 25 bilhões de litros por ano.

Luis Cláudio lembra que o material utilizado para transporte de etanol produzido a partir da cana-de-açúcar não será diferente do aço já utilizado para transporte de derivados de petróleo – estudos já realizados nos centros de pesquisas mostram que os tubos com sonda longitudinal já adotados em outras obras atendem a demanda. “O duto vai ser calculado conforme a pressão de trabalho, sem nenhuma necessidade especial”.

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Sob controle

A Transpetro vem intensificando a automatização de suas instalações e a centralização das operações de seus oleodutos e gasodutos pelo Centro Nacional de Controle Operacional – CNCO, que permite o acompanhamento operacional muito mais preciso das operações ao longo de todas as instalações dutoviárias. Além de facilitar o diagnóstico rápido de qualquer situação anormal, possibilita antever eventuais problemas como a falha de um equipamento ou instrumento.

Tão difícil quanto construir uma malha de dutos é o desafio de operá-la – e mantê-la integra. Na Transpetro, o controle da integridade de dutos é realizado com base no Programa de Integridade de Dutos da Petrobras, nas normas técnicas e nos procedimentos técnicos e gerenciais aplicáveis, e pode ser abordado levando-se em consideração a Integridade Imediata e os Sistemas de Controle da Integridade.

Essa integridade imediata considera o estado real da estrutura do duto por meio de práticas de inspeção in line – pigs instrumentados avaliam perda de espessura, identificam corrosão e localizam amassamentos e deformações na parede dos tubos. O teste hidrostático é outro procedimento utilizado na avaliação de integridade de dutos novos e de reparos realizados.

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