Edição 316 • 2009

Fábrica de energia
Mais flexível quanto ao uso de matérias-primas e mais eficiente do ponto de vista energético, refinaria do futuro estará mais próxima do nível zero nas emissões e mais diversificada quanto à produção de combustíveis, energia e produtos químicos

Flávio Bosco

Em Campinas / SP, a Amyris acaba de inaugurar sua unidade de demonstração de produção de diesel e produtos químicos usando o processo de fermentação da cana-de-açúcar. A poucos quilômetros dali, em Piracicaba, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas e o Centro de Tecnologia Canavieira irão erguer um laboratório de gaseificação de biomassa via rota térmica. A rota Biomass to Liquids – BTL para obtenção do diesel a partir de rejeitos da biomassa já é objeto de estudo no Centro de Pesquisas da Petrobras. Ainda que nenhuma tecnologia tenha chegado a viabilizar a conversão de lixo em energia mecânica dentro do próprio motor – como no carro inventado pelo cientista Doc Brown no filme “De volta para o futuro” – as três iniciativas significam passos importantes para transformar em combustíveis uma quantidade mais vasta de matérias-primas.

“Essa transformação do lixo em combustível diretamente no carro ainda não é possível por conta do tempo de reação e da necessidade de uma grande quantidade de resíduos. Mas o conceito é esse, porque o lixo gera o gás que é transformado em energia”, explica o gerente da Engenharia de Produtos da General Motors, Henrique Basílio Pereira.

Em tese, qualquer refinaria pode utilizar bioenergéticos – se não for possível colocá-lo diretamente como carga nos processos de refino, pelo menos pode ser insumo energético ou mesmo adicionado aos produtos, como acontece com o biodiesel. O ritual básico de transformação do petróleo em combustíveis – a unidade de destilação, atmosférica ou a vácuo – não mudará muito. Mas como o futuro só reserva espaço para unidades que sejam excelentes com o uso das tecnologias de processamento e de gestão ambiental – tanto na produção de derivados isentos de contaminantes quanto pela destinação dos efluentes e resíduos e no consumo eficiente de energia – os processos de conversão e tratamento têm espaço garantido nas plantas. E, com o desenvolvimento tecnológico da gaseificação, a “refinaria do futuro” irá processar muito mais do que petróleo – e produzir muito mais que gasolina e diesel.

“Convencionalmente, o mais razoável é aumentar o coqueamento retardado, se possível, e o HDT para instáveis, de forma a processar gasóleo e nafta de coqueamento e LCO de FCC. Uma outra forma de aumentar a produção de diesel seria processar cargas mais leves na refinaria. Assim, o que muda é a carga processada ou as unidades de fundo de barril e de estabilização de correntes instáveis”, explica o professor Alexandre Salem Szklo, vice-coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.

Mundo afora, cada uma das grandes empresas de refino já desenvolve projetos com esses objetivos, investindo inclusive para adaptar os parques para aumentar a eficiência e otimização operacional e atender às exigências de qualidade dos derivados. Para a Petrobras, por exemplo, o conceito de refinaria do futuro deriva do conjunto de desafios com o uso eficiente das tecnologias de processo, de produto, de informação, de automação e de medição – entre os principais desafios, destaque para a evolução da qualidade de combustíveis, otimização da integração energética, e a flexibilidade no uso de insumos, incluindo as correntes dos bioenergéticos.

Não é a toa que a companhia possui uma carteira de projetos de pesquisa, plantas pilotos e semi-industriais, laboratórios e pesquisadores – muitos pesquisadores – distribuídos no Centro de Pesquisas, no Rio de Janeiro, na Unidade de Industrialização do Xisto – SIX, em São Mateus do Sul / PR e nas próprias refinarias, para o desenvolvimento de novos processos e catalisadores, formulação de combustíveis e aperfeiçoamento de equipamentos. Só no Cenpes são 90 profissionais ligados às gerências de desenvolvimento de processos térmicos e catalíticos, combustíveis, lubrificantes e avaliação de desempenho em motores, desenvolvendo experimentos em unidades de bancadas e plantas piloto – outras 75 pessoas trabalham nos projetos, implantação e na operação de plantas piloto de grande porte instaladas na SIX. A rede de pesquisas ainda conta com 38 Redes Temáticas e sete Núcleos Regionais de Competência em universidades e centros de pesquisa.
Como exemplo dos frutos desse investimento, a Petrobras aponta o domínio da tecnologia do processo H-BIO – de integração entre combustíveis de origem mineral e vegetal – e estudos para queima de bioenergéticos em fornos, gaseificação de biomassa e resíduos de hidrocarbonetos, e a captura e sequestro de CO2.

Muitos dos trabalhos ocorrem sobre sigilo – uma forma de manter dentro dos muros informações valiosas – devido ao caráter estratégico para o futuro da empresa.

CLIQUE NA IMAGEM PARA VÊ-LA AMPLIADA
Clique na imagem para vê-la ampliada

Conduzida pela demanda

Nessa corrida tecnológica, a evolução das refinarias é conduzida pelas tendências de mercado, e os maiores passos são dados na qualidade dos produtos – a busca por combustíveis isentos de enxofre e maior poder energético. As pesquisas buscam catalisadores mais eficientes e com propriedades específicas para alterar apenas determinadas características indesejadas – como hidrogenar as estruturas aromáticas e promover a ruptura de ciclos naftênicos.

A velocidade das mudanças no esquema de refino depende muito do contexto legislativo e do mercado de cada refinaria – nos países da Europa e nos EUA, por exemplo, as pressões ambientais motivaram a adequação do parque de refino para a produção de combustíveis limpos.

No Brasil, além dos investimentos em unidades de hidrotratamento, a Petrobras passou os últimos anos erguendo unidades de coque e FCC para processar o petróleo pesado da Bacia de Campos nas refinarias originalmente projetadas para óleo leve. Não há grandes segredos quando a matéria é processamento: todas as tecnologias já são maduras e comercialmente disponíveis – mas os pesquisadores precisam adaptar a tecnologia a casos específicos, como o sistema de blowdown da unidade de coqueamento retardado na Refinaria Abreu Lima – Rnest, otimizada para a produção de gasóleos médios, e o FCC petroquímico que será implantado no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj. Na Rnest não haverá a etapa de destilação a vácuo – o Resíduo Atmosférico vai direto para a unidade de coque, aumentando a produção de diesel da refinaria. já a novidade desenvolvida pelo Cenpes para o FCC petroquímico está no conversor – que operando em alta severidade transforma as cargas pesadas em correntes leves.

Outro movimento importante é a gestão da energia – com o aproveitamento de correntes quentes do processo e de exaustão, além, é claro, da cogeração – já que a conta de energia, em média 40% dos custos operacionais de uma refinaria, por si só é um incentivo à busca por tecnologias com baixa intensidade energética. Um exemplo clássico de integração energética é a bateria de pré-aquecimento da destilação: o petróleo sofre aquecimento através da troca térmica com as correntes de produtos que necessitam ser resfriadas para serem armazenadas. O aquecimento do óleo cru para a destilação atmosférica exige um significativo consumo de energia, que pode ser compensado em uma bateria de pré-aquecimento com o calor gerado pelas correntes quentes da destilação. A própria cogeração colocará as refinarias como importantes produtores de energia elétrica – e quem tiver fôlego ainda pode optar por um gaseificador em conjunto com a síntese de Fisher-Tropsch, o que tornaria a refinaria capaz de produzir energia elétrica, hidrogênio de coque de petróleo e otimizar sua produção para derivados premium.

Investimentos nessas linhas, no entanto, ainda são caros – mas fazem parte dos estudos de qualquer grande refinador. E não é pela capacidade de agregar valor ao petróleo, mas pelo receio de não conseguir jogar bola por conta da chuteira.

Impacto zero

Minimizar os impactos causados pela transformação de recursos naturais tornou-se ordem nas onze refinarias da Petrobras. Tecnologias pesquisadas pelo Cenpes a partir do uso de membranas filtrantes já estão aplicadas nas plantas com o objetivo de reaproveitar os efluentes que seriam descartados e maximizar o reuso de água nas refinarias. A gestão integrada das tecnologias de refino tende a maximizar o aproveitamento de energia entre os processos, acarretando a redução do uso de fontes de combustão - e também das emissões. Além disso, o investimento em tecnologias de combustão e tratamento de gases estão proporcionando a progressiva redução das emissões.

Na Refinaria de Capuava, a primeira estação de reuso de água da companhia permite que todo o efluente utilizado no processo produtivo seja tratado e reutilizado. O inovador sistema de reúso de água que está sendo implantado na Revap, com capacidade de reaproveitar cerca de 400 m³/hora e deverá ser replicado na Refinaria Abreu e Lima para tratar 500 m3/h de água – 1/3 do volume consumido em seus processos de refino, geração de vapor e resfriamento. A Rlam estuda, em convênio com a UFBA, o programa de reuso de água. Na Refinaria de Duque de Caxias, um protótipo testou a tecnologia de purificação de água utilizando filtro do tipo casca de nozes – a tecnologia está sendo implantada em escala industrial e despertou o interesse de outras unidades em adotar a tecnologia.

A atual gestão de resíduos sólidos requer que o gerador deposite informações para o mapeamento por origem de cada tipo de resíduo. A cadeia logística também é mapeada, permitindo o acompanhamento do desempenho de cada unidade e a gestão de custos dos tratamentos.

Expansão sustentada pela Petrobras

Pelas projeções da Petrobras, a demanda de derivados no mercado nacional deverá crescer 3% ao ano – subindo de 1,945 milhão de barris dia consumidos em 2008 para 2,257 milhões diários em 2013 e 2,876 milhões por dia em 2020. Um bom cenário, mas que não tem atraído investidores privados.

O professor Alexandre Szklo, do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, explica que a incerteza de evolução do mercado – especialmente da gasolina e do diesel, que dependem muito da atividade econômica – e o enxugamento da liquidez para investimento estão na origem do problema da expansão do parque de refino no Brasil.

À luz do pós-crise, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE vem atualizando os estudos do Plano Decenal de Energia 2009-2018 – que trarão novas projeções sobre a demanda de derivados.

Dos projetos já encaminhados à Agência Nacional do Petróleo, dois são da própria Petrobras – o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - Comperj e a Refinaria Abreu e Lima - Rnest. Dois outros projetos autorizam a Univen a ampliar a capacidade e a Dax Oil a operar como refinaria de petróleo.

Em novembro do ano passado, o Governo da Paraíba recebeu uma comitiva da refinadora Alstar Oil, da Rússia, interessada em estudar a implantação de uma refinaria no Estado. Há cinco anos o Espírito Santo anunciou o projeto da Agol, um grupo do Bahrein que pretendia construir uma refinaria no porto de Ubu. Na década passada, logo após a promulgação da Lei do Petróleo, os alemães da Thyssen Krupp desembarcaram no Ceará com o projeto da Renor. Nenhum dos dois, nem a refinaria Atlântico Sul de Sergipe – que possui até autorização da ANP e localização acertada com o Governo – saíram do papel. A própria Repsol se desfez da participação na Refinaria de Manguinhos – numa decisão de vender ativos de refino na América do Sul para levantar recursos para se concentrar na exploração de petróleo.

Com musculatura suficiente para aguentar as oscilações do preço do petróleo e do câmbio, a Petrobras consegue manter estáveis os preços da gasolina, do diesel e do GLP – que representam mais da metade do resultado de um refinador. Só que ninguém quer correr o risco de competir em um mercado onde o principal ator responde por mais de 99% da capacidade produtiva.

O Comperj teve este mês a publicação do Sumário do Projeto aprovado pela Diretoria Colegiada da ANP – o que na prática funciona como uma consulta pública: após um mês da publicação, para apresentação do projeto à sociedade, a ANP conduz o processo para a outorga de Autorização de Construção e Operação da refinaria. A Rnest já passou por essa fase.

A carga de petróleo processada pela Petrobras deverá passar dos atuais 1,791 milhão de barris para 2,270 milhões em 2013 e 3,012 milhões em 2020, com um aumento médio de 4,8% ao ano. Em 2010 ocorre o primeiro salto, com o revamp da Refinaria de Paulínia, seguido da entrada em operação da Refinaria Clara Camarão, no Rio Grande do Norte. Em 2011 estão previstos o revamp na Repar e a partida da Rnest, em 2012 do Comperj e, em 2013, da primeira das refinarias Premium.

Valor agregado
Novos projetos buscam produzir diesel e petroquímicos a partir do petróleo nacional
Steferson Faria / Petrobras
Terraplanagem da Rnest: negociações estendem cronograma de operação da refinaria

Em meio a negociações para reduzir os preços apresentados pelos fornecedores de equipamentos e serviços, a Petrobras começa a fechar as contratações para a Refinaria Abreu e Lima – Rnest e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj. As duas unidades serão as primeiras refinarias construídas no país depois de 30 anos – nessas três décadas, o orçamento para a área de refino da companhia foi direcionado para a modernização das unidades existentes.

As duas unidades já nascem projetadas por uma nova perspectiva de mercado: menor produção de gasolina e maximização de diesel e petroquímicos. Outros dois mega-projetos – as Refinarias Premium I e Premium II – terão a missão de agregar valor ao petróleo do pré-sal.

A Rnest já tem contratos que somam R$ 3 bilhões, para a construção da refinaria, incluindo a compra de materiais e equipamentos, como o conjunto de reatores da planta de hidrotratamento de diesel – que será fornecido pela indiana Larsen & Toubro. As licitações concluídas são para a construção da casa de força – contratada à Alusa – a estação de tratamento d’água – a cargo das empresas Enfil e Veolia. As edificações serão realizadas pelas empresas de engenharia EIT e Engevix, e a construção do parque de tancagem de armazenamento será dividida entre Techint, Usiminas, Confab, Alusa e Galvão e Tomé. Os equipamentos elétricos das subestações da refinaria fazem parte do contrato global de elétrica, que foi assinado com a Orteng.

Os demais pacotes ainda estão sendo renegociados com os fornecedores – as primeiras propostas, feitas quando o mercado estava aquecido, trouxe preços acima do que a Petrobras esperava. Por isso a companhia refez o processo licitatório de cinco pacotes – e agora analisa as propostas apresentadas pelas empresas consultadas, que já apresentam preços menores. Essa negociação deve atrasar a entrada em operação da Rnest – inicialmente previstas para operar em agosto de 2010, as torres de destilação só devem jorrar os primeiros derivados após março de 2011. A refinaria processará 230 mil barris diários, com foco na produção de diesel – pelas projeções da Petrobras, o diesel continuará ocupando a primeira posição no ranking de derivados mais consumidos, passando dos atuais 783 mil barris para 901 mil barris por dia, em 2013.

O diretor da Área de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, já avisou que a companhia não fará a refinaria “a qualquer custo”. Só que essa não é a única questão envolvendo a Rnest: além do contrato de terraplanagem estar no centro das investigações da CPI – por conta dos preços cobrados pelo consórcio liderado pela construtora Camargo Corrêa – a composição acionária segue sem definição quanto a entrada da estatal venezuelana PDVSA no projeto – em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se reuniu em Salvador / BA com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para discutir o assunto, mas estabeleceram um novo prazo de 90 dias para encontrar uma saída para o impasse em torno do preço do petróleo que seria comprado da Venezuela e a forma de comercialização dos derivados produzidos na refinaria.

A Petrobras também começou a consultar os fabricantes de equipamentos de grande porte para a contratação de 11 fornos que serão instaladas no Comperj. Essa é a primeira aquisição de grandes equipamentos para o complexo do Rio de Janeiro. A unidade vai produzir 1,3 milhões de t/ano de eteno e 880 mil t/ano de propeno, processando 200 mil b/d de petróleo pesado.

Além da estratégia de adquirir os equipamentos críticos – que demandam mais prazo de fabricação – antes da contratação do EPCista, a Petrobras adotará outra estratégia bem sucedida nos seus projetos de plataformas: a clonagem. Essa é uma das alternativas estudadas pelos técnicos envolvidos nos projetos das refinarias Premium – como forma de redução de custos e prazos. A Premium I será instalada em Bacabeira / MA e terá capacidade para processar 600 mil barris/dia, enquanto a Premium II será construída em Pecém / CE, e terá capacidade para 300 mil barris/dia.

As duas unidades foram projetadas para processar o petróleo extraído da camada pré-sal e exportar derivados, e já despertaram interesse dos japoneses da Mitsui e da Marubeni – que assinaram memorandos com a Petrobras, para participar na sociedade dos empreendimentos.

 

LEIA MATÉRIA NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO IMPRESSA

Assine já!

Na Edição impressa
  Retrospectiva
Brasil Offshore aproxima fornecedores das petroleiras e movimenta economia da região norte fluminense
  Petróleo & Gás
Chevron inicia operações no campo de Frade
Vale amplia participação em concessões da Petrobras

Todos os direitos reservados a Valete Editora Técnica Comercial Ltda. Tel.: (11) 2292-1838