Edição 313 • 2009

Dr. SDCD
Das redes digitais aos instrumentos inteligentes, o desenvolvimento tecnológico traz novas possibilidades à operação da planta e maior retorno financeiro

Flávio Bosco

O que pode dar um diagnóstico, mas não é médico, e que emite uma sentença, mas não é juiz? Se você pensou no sistema digital de controle distribuído – o querido SDCD – acertou! A chegada das redes digitais à área industrial conferiu poder – e novas funções – a um sistema até então dedicado ao controle do processo. A realização de funções no próprio instrumento, a racionalização da infraestrutura de cabeamento e a velocidade do comissionamento são apenas algumas das características que tornaram a rede digital um padrão para a arquitetura de controle dos processos de produção e refino de petróleo. Foi a capacidade para diagnóstico remoto e solução dos problemas que seduziu de vez os engenheiros de processo.

As novas unidades de refino e novas plataformas seguem a linha do Foundation Fieldbus – a rede que, mais do que interligar instrumentos com o sistema de controle, possui uma lógica de controle distribuída no campo. Os números impressionam: só na Refinaria Abreu e Lima serão 30 mil instrumentos inteligentes se comunicando com o sistema de controle.

A primeira operação baseada em Foundation Fieldbus ocorreu há 14 anos, na Deten, no pólo petroquímico de Camaçari / BA. Hoje já são mais de 10 mil projetos implantados no mundo – 750 deles no Brasil, a maioria esmagadora instalada nas plantas químicas. “As indústrias químicas e petroquímicas são menos conservadoras. Agora que a tecnologia está consolidada, o setor de petróleo e gás começa a adotar. Aí entram os grandes projetos, com uma quantidade enorme de barramentos”, observa o gerente de Marketing da Pepperl+Fuchs, Augusto Pereira.

A rede digital associada aos “equipamentos inteligentes” – que também geram informações sobre sua condição operacional – possibilita o envio praticamente ilimitado de informações ao sistema de controle. Um dado coletado nos fornos ou nas caldeiras – aquelas variáveis de pressão, temperatura e vazão – percorrem os fios rumo aos computadores centrais, carregando junto diagnósticos e indicações de situações anormais. Em questão de segundos, o sistema compara tudo com um modelo e sai distribuindo ordens para que válvulas se abram ou se fechem, reporta para os responsáveis pela manutenção informações sobre a condição dos equipamentos, e ainda armazena todas essas ocorrências em um banco de dados.

É a chamada planta digital – conceito em que o SDCD utiliza essas informações para auxiliar o operador do sistema e o técnico da manutenção na tomada de decisões, na interpretação da situação do processo e na antecipação de ações para prevenir paradas. “O SDCD ainda utiliza estas informações de forma automática, fazendo com que os controles se adaptem à qualidade instantânea do processo, das medições e dos elementos finais de controle, tomando inclusive ações de segurança, como abertura ou fechamento de válvulas ou mudança no controle de automático para manual”, explica o presidente da Emerson Process no Brasil, Cláudio Fayad.

Dois bons exemplos de planta digital, em Paulínia / SP, tiveram participação da Emerson: a Refinaria da Petrobras e a planta de polipropileno da Braskem – mas é na Venezuela, especificamente em uma unidade da Ameriven, que está o mais completo sistema de gerenciamento de ativos do mundo. A premissa básica é que nenhuma demanda pode ficar sem resposta – em geral, os diagnósticos e a inteligência dos equipamentos são utilizados para melhorar tanto a operação quanto a manutenção do sistema.

Mas de nada adianta investir em modernos sistemas de TI e deixar a área industrial defasada. “Muitos projetos de otimização olham só para o software – e esquecem que os instrumentos precisam estar bem instalados e calibrados. Aí os resultados são pequenos: se o sistema recebe uma informação de algo que está medindo errado, vai otimizar alguma coisa errada”, pontua Augusto Pereira.

Daí a importância de ter todas as malhas de controle auditadas e diagnosticadas – se o valor medido está dentro do range de calibração, se os instrumentos não têm defeito, se a conexão ao processo está livre, qual a atuação do elemento final e seu tempo de resposta, e a resposta dinâmica do controle. Os fornecedores de sistemas até já disponibilizam uma série de ferramentas de auditoria, só que as etapas de diagnóstico e de soluções ainda estão num estágio de desenvolvimento mais incipiente. E a maior parte dessas ferramentas ainda necessita de um engenheiro bem capacitado para interpretar e definir as ações corretas – seja trocar a válvula de controle ou reajustar a sintonia do controlador PID até implementar um desacoplador entre duas malhas de controle ou uma nova estratégia de controle.

O gerenciamento das malhas de controle, explica o gerente da Chemtech, Gildeon Luiz dos Santos Filho, contempla a análise de desempenho da malha através dos valores das suas principais variáveis – variáveis controladas, setpoint e variáveis manipuladas – que são analisados ao longo do tempo, verificando a existência de desvios em relação às condições originais. “Através desse monitoramento, podem ser gerados índices específicos para as malhas que podem ser apresentados em relatórios. Os desvios também podem ser rastreados e reportados, conforme a conveniência da equipe de manutenção da planta”.

A demanda é por ferramentas “inteligentes” – que permitam o diagnóstico das causas dos problemas na instrumentação e o desempenho inadequado das malhas de controle. A fronteira tecnológica para essas ferramentas é obter maneiras automáticas de definir, para cada processo, o que se espera do seu controle regulatório e ter métricas para quantificar o melhor desempenho dos controladores PID – a pesquisa caminha para permitir que os sistemas indiquem o potencial de ganho associado com as possíveis ações corretivas, deixando ao engenheiro a opção pela alternativa de maior impacto para o processo.

As ferramentas disponíveis para auditar malhas de controle normalmente baseiam-se em algum benchmarking operacional, como os controladores de variância mínima. Muitas vezes esta auditoria é também feita combinando softwares de gerenciamento de ativos com software de autossintonia – embora trabalhar na sintonia não seja uma medida muito eficaz quando os problemas estão no elemento final. Mas além desses indicadores de desempenho, outros índices de utilização de malhas de controle – que medem itens como o tempo que a malha fica aberta ou fechada e o número de vezes que o operador altera os parâmetros – e indicadores de detecção de agarramento de válvulas de controle podem ser adotados – como no caso do software BRPerfX, desenvolvido por um grupo de pesquisadores ligados à UFRGS em parceria com Petrobras e a Trisolutions. Só na Unidade Recuperadora de Gás Natural da Petrobras em Pojuca / BA, esse software possibilitou a melhoria do controle regulatório, com retorno de US$ 6 milhões por ano, devido ao aumento de produção de LGN que era perdido para o gás industrial.

“Existem novas estratégias de controle adaptativo, onde a sintonia acontece de forma muito mais sutil e com mínima intervenção do operador – que não precisa permitir ou vetar a ação”, destaca o gerente geral da Dresser, Cláudio Makarovsky.

O plano de investimentos desenhado pelos engenheiros da UN/PP da Quattor há dois anos – quando ainda estavam elaborando o Plano Diretor de Automação para as plantas da Suzano Petroquímica – mostra diferentes retornos para cada etapa de projeto. Para um investimento simples em instrumentos de campo e válvulas, que consumiria R$ 800 mil, o benefício foi calculado em R$ 100 mil / ano. E no sistema de controle, que demandaria R$ 6,4 milhões, o beneficio foi calculado em R$ 3,5 milhões / ano. Mas em outras ações, o retorno é bem maior do que o valor investido: no gerenciamento de ativos, por exemplo, o benefício foi calculado em R$ 3,5 / ano para um investimento de R$ 2,9 milhões, enquanto que a adoção de controle avançado e otimização traria benefícios de R$ 13,1 milhões / ano a um custo de R$ 2,2 milhões.

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Piloto automático

Depois de tudo equacionado no campo, o próximo passo é adotar os sistemas de controle avançado - APC e otimização em tempo real - RTO. O primeiro – instalado logo acima da camada regulatória – processa as milhares de informações que chegam da planta, e com base em modelos matemáticos indica a melhor condição operacional. A otimização calcula um ponto de excelência com base nas quantidades, tipos de produtos e características da matéria-prima.

Sistemas de controle avançado e otimização em tempo real podem trazer grandes retornos econômicos. A otimização aponta qual o local de maior rentabilidade. O controle avançado mostra a rota mais eficiente para chegar lá. O segredo está na modelagem – o desenvolvimento e a manutenção de um modelo que represente as características estacionárias e dinâmicas requeridas pelas aplicações para garantir as especificações dos produtos sem infringir os limites operacionais dos equipamentos.

Assim como acontece na camada regulatória, aqui todo engenheiro busca ferramentas que facilitem a implantação, a manutenção e a sua gestão. A boa noticia é que os sistemas de controle já trazem controladores preditivos multivariáveis disponíveis como blocos – em moldes similares aos blocos PID. Com o aumento da capacidade e da confiabilidade computacional, os cálculos que antes tinham que rodar em uma máquina paralela comunicando através de OPC DA, Modbus ou outro sistema, agora passam a ser feitos diretamente no computador responsável pelo controle do processo, reduzindo a quantidade de interfaces e o custo com infraestrutura de máquinas e linhas de comunicação – e com a vantagem de corrigir a situação em segundos.

“Isso não significa que controladores mais sofisticados de controle preditivo multivariável não devam continuar sendo rodados em um controlador de processo comunicando via OPC DA. Porque quando você tem um algoritmo mais sofisticado, que já permite trabalhar com restrições de variáveis por faixa e outros níveis de otimização econômica do processo, não vale a pena investir em um SDCD em que os blocos de controle preditivo já estejam disponíveis. Nesse caso é possível ter toda essa solução e a integração entre o programa de otimização e o controlador preditivo em uma única máquina rodando fora do sistema de controle”, ressalta o professor Jorge Otávio Trierweiler, ligado ao grupo de Intensificação, Modelagem, Simulação, Controle e Otimização de Processos da UFRGS.

No ano passado, a TriSolutions trabalhou em três aplicações de controlador preditivo não-linear - NMPC – duas em reatores de polimerização da Braskem e uma em um reator de polimerização da Quattor. A diferença para o MPC está no modelo – que nesse caso é não-linear. Isso tem uma série de implicações relativas ao algorítimo de determinação do ótimo – no caso do MPC, o controlador utiliza um algoritmo de otimização quadrática, enquanto o NMPC exige algo mais sofisticado, como um Sequential Quadratic Programming – SQP – a função objetivo do problema de otimização envolve a minimização do erro entre o valor predito para a variável de saída e seu setpoint. A própria TriSolutions desenvolveu, em parceria com Petrobras, Braskem e UFRGS, o software TriNMPC para esse tipo de aplicação.

Processos que operam de forma cíclica, em que a componente econômica é fundamental – como uma unidade de coqueamento retardado – vão ser beneficiados pela utilização de uma técnica Dynamic Real Time Optimization - DRTO. No RTO, o processo é otimizado sob o ponto de vista estacionário. No DRTO, é otimizado sob o ponto de vista dinâmico – com inclusão de variáveis que não têm um set point definido. Alguns casos já começam a ser aplicados na indústria petroquímica e se mostram como ferramentas de grande potencial de retorno imediato na rentabilidade do processo – um dado que desperta interesse em qualquer empresa.

Máquinas virtuais
Já comuns ao ambiente corporativo, servidores virtuais estão prontos para serem usados no controle. Plantas virtuais, além de treinar operadores, antecipam resolução de problemas encontrados no comissionamento

Andy Chatha, o presidente da Arc – consultoria especializada em automação e controle – apresentou no último Fórum Anual da consultoria uma lista com o que acredita ser as dez tendências tecnológicas da indústria. Uma das principais conclusões é que a virtualizalização presente em TI ainda não aterrisou no chão-de-fábrica. Mas é uma questão de dias para que esse fenômeno esteja disponível para os sistemas de controle de processo. “As duas áreas dispõem de infra-estrutura comum para hardware e software, só mudam os aplicativos. Então o que aconteceu em TI fatalmente vai acontecer em automação”, aponta o representante da Arc no Brasil, Mauricio Kurcgant.

Aqui a virtualização pode ser entendida ao pé da letra: uma forma de esconder as características físicas de uma plataforma computacional, emulando uma plataforma. Um software permite rodar determinados aplicativos como se estivesse em outro servidor – uma maravilha para quem tem vários sistemas desenvolvidos em ambientes Unix, Linux e Windows. Dentro de um computador, o usuário pode ter várias máquinas virtuais, isoladas, rodando os aplicativos independentemente. A redução na quantidade de servidores traz um benefício direto: redução do consumo de energia e compactação da infraestrutura associada.

E como as plataformas trabalham de forma isolada, Kurcgant destaca duas outras vantagens: maior disponibilidade e a cyber segurança. Primeiro porque, com backup gravado numa memória, o tempo para reparar uma queda de sistema em uma máquina virtual é infinitamente menor do que acontece com uma máquina real que, quando quebra, tem que ser trocada. E segundo porque os ambientes estão isolados, como se fossem esferas independentes – uma solução simples para proteger um sistema contra ataques de vírus e hackers.

Os primeiros softwares com essa função começaram a aparecer há pouco mais de dois anos – primeiro com a VMware e com a Microsoft, que foram rapidamente seguidas por gente de peso, como a Cisco, IBM, a Sun e a Oracle. Hoje a virtualização já facilita a vida de quem tem sistemas legados – e não está a fim de jogar tudo na lata do lixo.

Plantas virtuais

O que já está disponível, gerando excelentes resultados para a turma da automação, é o chamado comissionamento virtual. Só com um projeto desse, a Aracruz conseguiu economizar US$ 30 milhões na partida da planta industrial. Ela foi uma das pioneiras a comprar a idéia dos sistemas de treinamento de operadores - OTS. Mais do que treinar operadores que iriam trabalhar na terceira linha de produção, todos os erros detectados foram reparados antes que as primeiras toneladas de celulose saíssem dos digestores – e a curva de ramp up, que numa fábrica dessas demoraria seis meses, foi encurtada em dois terços.

Fazer o modelo de uma planta inteira custa alguns milhões – às vezes até mais do que o SDCD – mas o retorno sobre o investimento pode ser ainda maior com o comissionamento virtual em plantas novas e ampliações.

Um simulador desse é baseado em um conjunto de máquinas – uma parte destinada a emular o sistema de controle e outra com a modelagem matemática de todos os equipamentos da planta. A medição de uma variável de qualquer equipamento – que está modelado no sistema – é enviada ao sistema de controle. E de lá, a malha pode ser fechada interligando o dado com um atuador modelado na primeira máquina. Nesse OTS, o técnico opera a unidade em telas reais. Uma nova planta ou uma ampliação pode ser projetada primeiro nessa ferramenta – e, equacionados os percalços, implementada de forma real.

Investir em automação e TI já custou caro – quando o custo de energia e matérias-primas era pequeno, a mão-de-obra qualificada estava disponível e não haviam tantas restrições ambientais. “Na conjuntura de hoje, com energia e matéria-prima cara, mão-de-obra escassa e restrições ambientais cada vez mais severas, TI e TA ficaram baratos. Então é a hora de investir para ter ganhos de produtividade e redução de custos e perdas”, finaliza Kurcgant.

 

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