Edição 310 • 2008

Impacto zero
Indústria petroquímica adota soluções eco-eficientes para minimizar impactos ambientais – mas ações para reduzir emissões e consumo de recursos naturais esbarram em questões estruturais
Agência Petrobras

Flávio Bosco

Nos últimos seis anos a indústria petroquímica brasileira conseguiu reduzir em 15% as emissões de CO2. O esforço impressiona: em 2001, quando o levantamento começou a ser feito pela Associação Brasileira da Indústria Química, as fábricas liberavam para a atmosfera 415 kg de dióxido de carbono por tonelada produzida, e no ano passado, após várias unidades substituírem o óleo combustível e o carvão por gás natural em suas caldeiras, as emissões caíram para 350 kg por tonelada.

Essa redução, no entanto, poderia ser muito maior. Só que, literalmente, falta gás para desviar o planeta Terra do catastrófico futuro retratado pelos cientistas do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas – IPCC. A indústria química consome por dia 8,5 milhões de m³ de gás natural para geração de energia elétrica, mas o vice-presidente executivo da Abiquim, Nelson Pereira dos Reis, garante que vários outros projetos não saíram do papel por falta de novas ofertas do insumo. “O cenário que teremos para continuar seguindo nessa direção vai depender da disponibilidade do combustível”.

Pior: se quiser contribuir com o Plano Nacional Sobre Mudança do Clima proposto pelo Governo brasileiro, terá que frear o ritmo de suas indústrias – e sem a certeza de que resolveria o problema já que, no Brasil, apenas 10% do CO2 disperso na atmosfera sai do setor industrial. “Para fazer um Plano sobre Mudança do Clima, primeiro temos que saber qual plano de desenvolvimento temos para o país”, destaca Nelson Pereira dos Reis.

O tal Plano Nacional Sobre Mudança do Clima deverá ser apresentado antes da próxima Conferência do Clima da ONU, que será realizada em dezembro, na Polônia. Uma versão preliminar, colocada em consulta pública no mês passado, propõe ações de estímulo à eficiência energética, aumento da produção de energias renováveis, fortalecimento dos biocombustíveis, recuperação de pastagens degradadas, controle de queimadas – responsáveis por mais de 70% do CO2 emitido no Brasil – e reflorestamento, além de estabelecer metas voluntárias para a redução das emissões.

“Reconheço que isso tem urgência, e o Brasil tem que se posicionar. Por isso precisa alinhar as posições, principalmente no setor empresarial”, ressalta o executivo da Abiquim, sugerindo a criação de uma espécie de fórum ou “aliança pró-clima”.

Nelson está à frente de um setor freqüentemente perseguido por conta de seus impactos ao meio ambiente. Mas que sempre apareceu com as respostas mais adequadas quando a humanidade se confrontou com os grandes problemas do mundo contemporâneo. Muito antes do alerta dado pelo IPCC, as indústrias químicas brasileiras já reduziam as emissões de CO2 – o principal vilão do aquecimento global. Agora, é uma bela oportunidade de colocar suas linhas de pesquisa para resolver esse problema.

Numa perspectiva mais ampla, o International Council of Chemical Associations – ICCA contratou o inventário de emissões da indústria química no mundo inteiro – trabalho que será realizado pela consultoria McKinsey, que tem em seu portfólio um levantamento semelhante feito para a Confederação das Indústrias Britânicas. “Esse inventário será um subsídio importante para orientar as associações a formular, junto com os governos e a comunidade, os planos para cada país”, explica o executivo da Abiquim.

Questão econômica

O impacto ao meio ambiente e ao planeta é quase uma conseqüência automática de uma operação que retira e transforma recursos da natureza para atender as várias necessidades do ser humano. “O reconhecimento e o bom mapeamento disso faz com que a empresa possa posicionar suas operações e estratégias para minimizar esses impactos”, conta o diretor industrial da Unidade de Polipropilenos da Quattor, Antonio Mattos.

A Quattor está implantando um projeto que, numa só tacada, reutiliza o efluente que antes era descartado e reduz os gastos com tratamento de água. “É muito interessante perceber, após alguns anos trabalhando com esse foco de forma mais intensa, a quebra do paradigma de que as boas soluções ambientais podem trazer mais custos. Na verdade, as soluções caminham pari-passu: são relevantes para o meio ambiente e para o negócio”, ressalta o diretor.

O relatório do Programa Atuação Responsável, da Abiquim, aponta que desde 2001 a indústria química brasileira reduziu o consumo de água em 25%, trazendo uma economia de R$ 1,56 por tonelada de produto fabricado. Já a redução do volume de efluentes foi de aproximadamente 55%, o que trouxe uma economia de R$ 3,45 por tonelada de produto.

Pelas avaliações do IPCC, estabilizar a concentração de CO2 na atmosfera abaixo dos 550 ppm custaria aproximadamente 3% do PIB global – ou 1% do PIB nos cálculos do ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern. Não fazer nada poderá custar até vinte vezes mais. Mas não será um dinheiro perdido, porque vai gerar grandes oportunidades – o relatório produzido por Stern para o governo inglês estima que os ganhos potenciais, com economias de escalas, novas tecnologias e aperfeiçoamentos de processos, podem chegar a US$ 2,5 trilhões até 2050.

Não importa que o Brasil não tenha que cumprir metas dentro do Protocolo de Kioto. Muito menos o impacto de suas operações ao meio ambiente. O temor do que pode acontecer com o planeta já afetou as agendas da indústria e da academia. E só há uma via para caminho para se adaptar aos novos tempos: inovar.

Planta seca

Os engenheiros da Quattor passaram os últimos dois anos estudando uma forma para zerar o consumo de água potável na produção de polipropileno na unidade de São Paulo. A solução foi utilizar o efluente gerado no processo industrial. Mesmo antes de concluído, o projeto já permitiu à empresa minimizar o consumo de água, o descarte de efluentes e – o mais interessante do ponto de vista financeiro – teve os custos com tratamentos cortados pela metade.

Num mundo obcecado por práticas ambientalmente corretas, o reuso tornou-se uma das metas desejada por toda a indústria petroquímica – por reduzir num mesmo projeto o consumo de um recurso natural e a geração de efluentes. A própria Quattor já discute a expansão do projeto, batizado de “Planta Seca”, para outras unidades industriais. “Trata-se de um projeto que tem alto grau de replicabilidade, tanto nos processos industriais da Quattor quanto em outras empresas que queiram usar desse bom exemplo para tratar um pouco melhor desse planeta”, conta o diretor industrial da Unidade de Polipropilenos, Antonio Mattos.

Até o ano passado, a planta consumia 25 m³/h de água potável para produzir 20 m³/h de água desmineralizada – porque a qualidade da água captada no rio Tamanduateí e clarificada pela Refinaria de Capuava não permitia a geração de água industrial, mesmo após tratamento em leitos de troca iônica. O desafio era implantar um sistema que permitisse obter uma água com qualidade suficiente para fazer funcionar a produção de polipropileno.

Só que o projeto de reuso do efluente tinha referências apenas na literatura, sem nenhum projeto aplicado. Então os engenheiros da Quattor e da Veolia Water Systems – especialista em tratamento de água e efluentes – segregaram as correntes, identificaram os contaminantes, mudaram o desenho dos processos químicos e implantaram equipamentos para tratar o efluente que seria descartado, elevando sua qualidade ao ponto de água industrial. Antes, os efluentes do processo eram descartados após o tratamento na CTI – estação de tratamento físico-químico das purgas de processo e torres de resfriamento – que utiliza tecnologia tradicional de floco-decantação, separação de óleos e graxas por flotação e neutralização. O projeto juntou esse efluente industrial da CTI com os efluentes da estação que trata todos os rejeitos da cozinha e dos banheiros, e direcionou para uma segunda bateria de tratamentos – que desmineraliza esse efluente, elevando o padrão de qualidade para reuso. “Os sais presentes nesse efluente não são problemas para o descarte. Mas causariam problema se fossem utilizados em nosso processo industrial”, explica o engenheiro Rogério Maesi, que esteve à frente de toda a pesquisa.

A seqüência ótima começa com o efluente passando por uma flocodecantação para retenção de uma pequena fração de sólidos, pelos filtros de carvão ativado para retenção do cloro residual e uma oxidação química com hipoclorito. Mas essas duas etapas são apenas pré-tratamento para a osmose inversa. Antes de retornar ao processo, o efluente ainda é submetido a um polimento em leito de troca iônica. “A tecnologia é consistente o suficiente para elevar o padrão da água a ser reutilizado industrialmente ao mesmo padrão para consumo humano, para garantir que, se houver um desvio nessa utilização, o ser humano está protegido”, ressalta Antonio Mattos.

Descarte zero

O “coração” do sistema já está funcionando – a produção de polipropileno não utiliza mais água potável porque o sistema de tratamento já permite utilizar a água captada no rio Tamanduateí. Restam apenas entrar em operação alguns equipamentos, como a ultrafiltração, para garantir o padrão de reuso ao efluente. Por hora, são tratados 27 m³ de líquidos – sendo 4 m³/h de efluente industrial e 5 m³/h de doméstico. O rejeito da osmose e da troca iônica – 7 m³/h que não tem aplicação industrial por conta da alta concentração de sais – acaba virando matéria-prima para a produção de negro-de-fumo em outras unidades industriais do pólo petroquímico do ABC. “Esse parcela não é utilizada em um processo que gera descarte. Com isso fechamos o circuito de uma forma magnífica”, destaca o diretor.

Antonio Mattos não revela números, mas garante que os valores gastos com tratamentos de água e efluentes caíram mais de 50%. A própria tecnologia de polimerização contribuiu para a redução do consumo de água: antes a Quattor utilizava 1,9 m³ para produzir uma tonelada de PP e agora consome 1,2 m³ por tonelada produzida. “Um aspecto muito importante desse projeto é entender os processos desde seu nascedouro, para permitir que essas correntes sejam utilizadas internamente, e avaliar qual o tipo de tratamento adequado para aquela determinada corrente”, finaliza o engenheiro Rogério Maesi. (FB)

Bem guardado
Petrobras implementa projetos que irão “enterrar” CO2

Até o final do século, o seqüestro de carbono pode reduzir em 40% o volume de gases do efeito estufa presentes na atmosfera. A estimativa faz parte dos estudos do IPCC – que calcula em 2.000 gigatoneladas de CO2 o potencial de armazenamento apenas nos reservatórios de petróleo e gás. Alguns levantamentos, embora não sejam conclusivos, apontam que aqüíferos salinos têm capacidade ainda maior para armazenar o dióxido de carbono.

No Brasil, os primeiros projetos de seqüestro e armazenamento geológico de carbono estão sendo conduzidos pela Petrobras no Recôncavo Baiano. No campo de Miranga, a companhia utilizará o CO2 para aumentar o fator de recuperação de petróleo, e em Rio Pojuca, para análise do armazenamento em aqüíferos salinos.

“Somando todos os projetos que apresentam boas oportunidades de desenvolvimento tecnológico, podemos alcançar, a partir de 2017, caso estes projetos sejam aprovados para implementação, algo na faixa de 18% das emissões atuais da Petrobras – que atualmente 50 milhões de toneladas de CO2”, conta o consultor técnico do Centro de Pesquisas da Petrobras, Paulo Cunha.

A injeção de CO2 em jazidas de petróleo com declínio de produção é uma prática já conhecida da industrial – muito antes de o mundo indiciar o dióxido de carbono como vilão das mudanças climáticas. Através da técnica de Enhanced Oil Recovery – EOR – o dióxido de carbono é injetado em reservatórios a fim de direcionar para os poços produtores o óleo que ainda permanece aprisionado nas rochas. Mas esse projeto deve mostrar para a Petrobras qual o volume pode retornar às entranhas da Terra e quais os impactos da injeção e armazenamento na integridade do poço.

A norueguesa Statoil e a canadense Encana desenvolvem projetos semelhantes em seus países, da mesma forma que a BP testa a metodologia na Argélia. Por conta das quantidades que são emitidas, ao ser lançado na atmosfera o CO2 é o gás que mais contribui para intensificar o aquecimento global. Por isso, o mundo inteiro estuda formas de reduzir a quantia de CO2 emitida para a atmosfera. Segundo Paulo Cunha, o armazenamento geológico em reservatórios de petróleo e aqüíferos salinos são os métodos mais eficazes para retirar o CO2 de circulação. Uma forma “indireta” de absorver o gás carbônico seria sugá-lo da atmosfera – esse serviço quem faz são as plantas e algas, que através da fotossíntese transformam esse CO2 em biomassa.

O Grupo de Seqüestro de Carbono, coordenado por Paulo Cunha até setembro deste ano, reúne 20 profissionais do Centro de Pesquisas da Petrobras trabalhando exclusivamente com o tema – e trabalha em parceria com a Rede Temática de Seqüestro de Carbono e Mudanças Climáticas da Petrobras com universidades brasileiras, envolvendo 22 centros de excelência e duas centenas de pesquisadores. “Todo esse desenvolvimento tecnológico, ao passar da bancada para uma escala piloto e de demonstração, é acompanhado de um profundo desenvolvimento nas áreas de sustentabilidade e também de política e regulação”.

O seqüestro de carbono é apenas uma das sete atividades para mitigar as mudanças climáticas – que o cientista Robert Socolow, da Universidade de Pinceton, classifica como “cunha” para redução dos níveis de CO2 na atmosfera.

Pelas contas do IPCC, painel do qual Paulo Cunha é um dos cientistas, até 2050 será preciso eliminar 25 bilhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, e o processo de captura e armazenamento de carbono poderia estocar pelo menos 20% desse volume.

No processo a ser implantado pela Petrobras no Recôncavo Baiano, o CO2 é capturado dos gases emitidos pelas plantas de fertilizantes e de oxido de eteno do pólo petroquímico de Camaçari pelo método de absorção por aminas. Na realidade, cada situação dita a rota mais apropriada, mais econômica ou que traga melhores resultados, que pode ser uma absorção (através da reação química do CO2 com absorvedores), adsorção (através de reações físicas), membranas, loop químico ou criogenia. “Somente fontes de grande porte justificam a instalação de equipamentos para separar esse CO2. Fazer isso nos automóveis sairia muito caro pela quantidade capturada”.

Depois de separado, o CO2 precisa ser limpo, comprimido e transportado por dutos até o local de injeção – e por fim, monitorar o CO2 para garantir que esse gás está armazenado corretamente e não irá vazar.

Os entraves são o alto custo do sistema e questões de segurança: todo o processo custa entre US$ 60 a US$ 100 por tonelada de CO2 – sendo que 80% desse valor é gasto só na etapa de captura do gás. E com outra questão: o seqüestro geológico ainda não é reconhecido pelo Protocolo de Kioto para comercialização de créditos de carbono. (FB)

O dióxido de carbono pode também ser separado do gás natural que contém altos teores de CO2 – como é o caso do gás encontrado abaixo das camadas de sal na Bacia de Santos. A Petrobras estuda reinjetá-lo na própria formação – além de aumentar o fator de recuperação, a idéia tem um apelo ambiental – mas não livra a Petrobras de ter que buscar soluções metalúrgicas para lidar com seu poder corrosivo nos equipamentos.
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Até julho do próximo ano a indústria deverá ter uma prática recomendada com o objetivo de limitar e gerenciar as incertezas relacionadas ao transporte de CO2 por dutos. A Petrobras participa do Joint Industry Program CO2PIPETRANS – coordenado pela DNV e do qual fazem parte várias empresas – em busca de uma prática que compreenda o comportamento, à fadiga, à corrosão e à garantia de escoamento em carbonodutos terrestres e offshore.
A prática, que será emitida pela DNV, apresentará as diretrizes para gerenciamento dos riscos durante toda a vida útil do duto, incluindo as fases de projeto, testes, inspeção, operação, manutenção e descomissionamento.
Outro Joint Industry Program também coordenado pela DNV e que tem a Petrobras no grupo, o CO2QUALSTORE estabelecerá critérios para seleção e qualificação dos locais para armazenamento geológico de CO2. O gerente de Desenvolvimento de Negócios da DNV, Alexandre Imperial, explica que, depois de pronto, esse projeto volta para o mercado como requisitos técnicos. “Além da identificação, caracterização e seleção dos locais para armazenamento, o JIP abrange o monitoramento desses locais, de modo a garantir que o CO2 continua armazenado, sem vazamentos. É necessário ter um plano de monitoramento, elaborado com uma abordagem baseada em risco e levando em consideração as características geológicas e geofísicas específicas de cada local”.

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