Edição 303 • 2008

Exploração diversificada

Sonda Modulada SM-14 operando em Urucu

Com mais empresas atuando no setor, e com o barril do petróleo ultrapassando a casa dos US$ 100, áreas em terra ganham nova importância

Flávio Bosco

A Silver Marlin está finalizando o planejamento para perfurar seis poços – quatro na Bacia do Recôncavo e dois em Sergipe-Alagoas – no segundo semestre deste ano. Há dez anos isso seria praticamente impensável – primeiro porque a extração de petróleo no Brasil era atividade exclusiva da Petrobras. Além disso, com os preços do barril abaixo de US$ 20, só as jazidas com alta produtividade despertavam atenção.

Silver Marlin – uma companhia criada por um grupo de investidores em parceria com um ex-diretor da Petrobras – é apenas um exemplo um exemplo das inúmeras companhias independentes que despontaram no Brasil desde o fim do monopólio, trazendo novas expectativas para a busca de petróleo no país. A cada nova rodada de licitações feita pela ANP surge pelo menos uma nova petroleira nacional, e isso gradativamente dá nova cara ao mapa exploratório no Brasil. Na 9ª Rodada, por exemplo, o país assistiu o surgimento da OGX e da Vale – que deram os maiores lances.

O preço do produto – que já ultrapassa a casa dos US$ 100 – é um atrativo à parte. O resultado é o aquecimento na demanda por serviços e equipamentos para cumprir os programas exploratórios mínimos assumidos. 2008 será um ano em que o número de perfurações atingirá valores recordes na década – a Agencia Nacional do Petróleo prevê que as companhias perfurem 139 poços exploratórios em terra, do total de 194 que deverão ser perfurados este ano.

Para o professor Edmilson Moutinho dos Santos – que acaba de lançar junto com a pesquisadora Regina Zamith o livro “Atividades Onshore no Brasil: regulação, políticas públicas e desenvolvimento local” – o aquecimento do setor é mais do que a simples soma de abertura do setor com aumento dos preços do petróleo. “Por enquanto raciocinamos que a atividade onshore no Brasil está relacionado a algo antigo, pequeno e marginal; enquanto offshore é moderno, grande e de fronteira. Isso é verdade em nossa realidade, mas não na realidade global”, avalia.

De fato, a extração de petróleo em terra representa mais de 60% da produção mundial de petróleo. Mas também é verdade que, no Brasil, os grandes investimentos ainda estão concentrados nas “três irmãs” bacias de Santos, Campos e Espírito Santo – assim chamadas por serem vizinhas e similares. Mas as bacias terrestres, subexploradas desde que os grandes campos foram descobertos no mar, agora se apresentaram como excelente opção para quem ainda não tem musculatura suficiente para encarar os grandes projetos offshore. “Uma companhia pequena não pode comprar um bloco exploratório de 1.000 km², até porque não tem capital para fazer isso, mas pode trabalhar em uma área de 100 km. E com isso os pequenos e médios empresários começam a se interessar”, explica o diretor da Agência Nacional do Petróleo, Newton Monteiro.

“São empreendimentos de porte diferente: os operadores independentes são pequenos, e explorar petróleo em mar exige investimentos muito maiores”, explica o diretor presidente da Aurizônia, Oswaldo Pedrosa. A empresa fechou contrato com a Drillfor para perfurar quatro poços este ano – dois deles estão programados para as áreas que a companhia detém na Bacia Potiguar e outros dois na Bacia de Sergipe-Alagoas.

A “veterana” Petrosynergy programou para este ano a perfuração de dez poços – três na Bahia, cinco no Rio Grande do Norte e dois em Alagoas – todos com as duas sondas próprias. A Starfish até tomou fôlego para estrear no offshore – com a aquisição de três concessões na última rodada promovida pela ANP.

Newton Monteiro destaca as medidas tomadas pela agência para estimular a entrada de novos players no setor: a redução no tamanho da área exploratória, a limitação no número de ofertas vencedoras nas licitações, e a disponibilidade de bacias maduras – onde o risco exploratório é menor. “Isso animou – evidentemente aliado a alta no preço do petróleo, que subiu mais de três vezes desde que começamos esse processo”.

Os reflexos desse novo capítulo são percebidos pelas empresas prestadoras de serviço – as brasileiras Brain, Georadar e Prest ampliaram seus ativos para dar conta do recado. “Já possuíamos um equipamento Sercel de 1500 canais e adquirimos mais um, com 3000 canais”, exemplifica o diretor de Exploração da Brain Tecnologia, Nelson Fernandes. A empresa, que presta serviços de diagnostico geoambiental há mais de dez anos, enxergou um novo mercado na atividade sísmica a partir dos trabalhos realizados para a equipe de sísmica ES-26, da Petrobras. Só para este ano, a Brain já tem firmado um contrato com a ANP para levantamento na Bacia do Parnaíba, e com a Petrobras, para a Bacia Potiguar.

Trabalho é o que não falta também para as empresas de perfuração. Com a conclusão dos trabalhos sísmicos, as concessionárias partiram para a fase de perfuração – e desde o ano passado a atividade vem observando um novo ciclo recorde. “A própria Petrobras retomou as atividades onshore, o que é uma medida positiva, já que o Brasil tem reservas em terra que precisam ser exploradas”, ressalta o presidente da Associação Brasileira dos Perfuradores de Petróleo, José Eduardo Jardim.

“O panorama vai mudar bastante: apareceram novas companhias no mercado, e haverá uma concentração expressiva de investimentos nas bacias terrestres, até por culpa das oportunidades na área offshore, já que, às vésperas da ultima rodada, foram cortados os 41 blocos que tinham uma certa atratividade, afugentando as empresas das áreas offshore”, conta o presidente da Silver Marlin, Wagner Freire.

Modelo

Além de ter o maior número de concessões, a Petrobras ainda acumula o portfólio mais diversificado – o que diminui seu risco exploratório. Some-se a isso o conhecimento acumulado em todas as bacias sedimentares, e todas as outras petroleiras vão querer procurar petróleo e gás associadas a ela – ainda mais agora que a existência de uma mega reserva abaixo da camada de sal está confirmada.

Para 2008, a Petrobras continuará priorizando as Bacias de Campos, Santos e Espírito Santo. O programa exploratório da petroleira prevê a perfuração de 131 poços este ano – 43 deles nas três bacias.

A Exxon, que detém a operação do bloco BM-S-22, deverá perfurar um poço – o contrato com a sonda ainda não foi fechado, mas a petroleira tem pressa para prosseguir com seu plano exploratório. A Shell inicia em março a perfuração dos poços do desenvolvimento do bloco BC-10, na Bacia de Campos – serão dez poços da primeira fase de desenvolvimento do projeto, feitos pela sonda Artic I.

A Devon fechou contrato de cinco anos com a Transocean, para utilizar a sonda Deepwater Navigator – que atualmente está na África do Sul. A expectativa é que ela chegue à costa maranhense no fim de 2008 para realizar os trabalhos de exploração no bloco BM-BAR-3, na Bacia de Barreirinhas, em 2009 – ano em que a Devon irá iniciar seu esforço exploratório.

Somando os quase 200 poços que vão ser perfurados este ano, com a aquisição de 1.500 km de sísmica 2D e 4.000 km² de sísmica 3D, a campanha exploratória devem movimentar R$ 3 bilhões. Maior exploração significa maior conhecimento das bacias – mesmo que não seja encontrado nenhum óleo nas áreas concedidas, significam conhecimento acumulado do subsolo.

“No Brasil, nossas maiores bacias sedimentares ainda são onshore e muitas são inexploradas e totalmente virgens e de fronteira, como é o caso das Bacias do São Francisco e do Paraná. Por aqui, tudo é ainda possível, inclusive megas áreas produtoras”, avaliar o professor Edmilson. A atividade ainda tem muito a crescer.

Barreira ultrapassada
Brasil ainda vai anunciar muito petróleo e muito gás abaixo da camada de sal

Quando concluiu os testes de formação do poço 1-RJS-628, em  agosto de 2006, os técnicos da Petrobras tiveram duas confirmações: a primeira foi como atravessar uma camada de sal com 2 mil metros de espessura. A outra foi a garantia de que o petróleo realmente estava aprisionado lá embaixo. Os resultados obtidos com a perfuração de outros poços foram ainda mais animadores: ao analisarem a composição das amostras coletadas, descobriram que a reserva se estende por uma área de 800 km que vai da costa do Espírito Santo até Santa Catarina.

O mundo, que acompanhou com atenção o anúncio da descoberta de Tupi, ainda vai ouvir muito falar em outras reservas de petróleo e gás abaixo dos domos de sal que existem nas bacias mais atraentes do país – Santos, Campos e Espírito Santo. Só uma descoberta a partir do poço ESS-103 é prenúncio de que bastante óleo ficou aprisionado nas rochas – a Petrobras não confirma, mas a reserva localizada abaixo do campo de Jubarte contém pelo menos 300 milhões de barris. “O petróleo foi gerado e ultrapassou a camada de sal onde havia janelas, formando Marlim, Albacora, Roncador e todos os campos que conhecemos do pós-sal. Em águas muito profundas, onde não houve fissuras na camada de sal, o óleo não pôde escapar, ficando acumulado nesses reservatórios carbonáticos”, explica o presidente da HRT Petroleum, Marcio Rocha Mello, um dos maiores entusiastas da exploração na camada pré-sal.

Outras surpresas poderão ser reveladas com o gás natural – que é mais compressível do que o óleo, e se expande quando chega à superfície. E se isso acontecer, os volumes das reservas são muito maiores do que o previsto.

Até agora, os resultados obtidos em oito poços – perfurados no cluster formado pelos blocos BM-S-8, BM-S-9, BM-S-10, BM-S-11, BM-S-21, BM-S-22 e BM-S-24 – foram positivos. “O que confirma a alta prospectividade da região”, apontou o diretor da Área de E&P da Petrobras, Guilherme Estrella, durante o anuncio da descoberta de Júpiter, um reservatório de gás localizado no bloco BM-S-24.

Desde novembro, a companhia também já anunciou as descobertas de Tupi (que fica no bloco BM-S-10), Carioca (BM-S-9) e Caramba (BM-S-21) – além dos campos de Caxaréu e Pirambu, localizados na área do BC-60, da Bacia de Campos. Os sinais de que o país está diante de sua maior província petrolífera ficaram estampados quando o Governo decidiu retirar da lista de ofertas da 9ª Rodada de Licitações os 41 blocos que estão localizados em áreas de influência da descoberta de Tupi, e iniciou os estudos para regular um modelo específico para exploração nessas áreas.

A presença de petróleo na seção pré-sal sempre foi uma aposta dos geólogos e geofísicos que conhecem a história da formação dos continentes americano e africano. O lago que existia entre a costa brasileira e a África permitiu a deposição das rochas geradoras – localizadas na formação Lagoa Feia – dando origem a essas reservas na parte Sul do Oceano Atlântico. O difícil era provar quanto petróleo estava lá aprisionado pela camada de sal – que se comporta como um excelente selante. A companhia chegou a perfurar outros poços que alcançaram o pré-sal na Bacia de Campos, desde 1979, mas o contexto geológico era outro, e as descobertas confirmadas não foram tão significativas.

Agora a história é outra. O conhecimento do subsolo é maior, fruto da experiência acumulada durante quase três décadas de estudos. A evolução dos computadores também permitiu que a Petrobras investisse no processamento de muito mais informação sísmica. “O próprio navio tem cabos muito maiores: os streamers chegam a ter 8 km de comprimento, o que permite registros mais profundos”, ressalta o geólogo da Stratageo, Paulo Teixeira.

E a companhia aprendeu a atravessar a camada de sal – o primeiro poço na área de Tupi levou mais de um ano de trabalhos e exigiu US$ 240 milhões, mas valeu de aprendizado. Hoje um poço semelhante é feito em dois meses, com um orçamento de US$ 66 milhões.

“Todas as majors têm experiência em grandes profundidades – de até 11 mil metros. Ainda mais hoje, se as empresas não trabalharem em conjunto, não conseguem vencer esses desafios. Só que a Petrobras pode se destacar. Nós sofremos mais, e trabalhamos mais porque o Brasil sempre importou o petróleo que precisava”, avalia o ex-presidente da Petrobras, Shigeaki Ueki.

Combustível tecnológico

A perfuração na camada de sal não é algo inédito – várias companhias produzem nesses reservatórios no Mar do Norte e no Golfo do México, só que em seções geológicas bem diferentes. Mesmo no Brasil, a camada de sal é encontrada em outras bacias – o que não quer dizer que o petróleo possa ser descoberto também nessas áreas. A diferença é que, dessa vez, as reservas foram encontradas numa profundidade nunca antes explorada comercialmente. “Não é nada trivial operar uma sonda para perfurar a 2 mil metros de lâmina d’água, mais 2 mil metros de sedimentos pouco consolidados e 2 km de sal. Nada que se diga ‘não dá para fazer’, mas são situações limites da tecnologia”, aponta o professor da Coppe / UFRJ, Giuseppe Bacoccoli.

A lâmina d’água nem é a maior preocupação – a Petrobras já produz a 1.886 metros na Bacia de Campos. O que impressiona é o sal, que sob alta pressão e alta temperatura se comporta como um material plástico. O principal desafio para perfurar, nas condições desta área, é garantir a  estabilidade das rochas da espessa camada de sal – que podem fluir e não permitir a continuidade da perfuração dos poços. A camada possui vários tipos de sais, halita, taquidrita, carnalita – alguns deles solúveis. O fluido de perfuração só pode ser definido após muitas análises químicas feitas no Centro de Pesquisas da companhia. Não bastasse, os engenheiros de poço precisam definir o revestimento, a geometria específica do poço e a melhor broca de perfuração, para que não colapsem.

Há dez anos, sem informação sísmica suficiente, sem experiência de perfuração em horizontes ultra profundos, e com o barril do petróleo na casa dos US$ 10, não seria fácil convencer qualquer empresa a explorar petróleo nessas condições. Havia entre os engenheiros o receio de que as altas pressões e temperaturas poderiam destruir o petróleo ou compactar a rocha. “O que ninguém esperava era descobrir uma reserva com 30 bilhões de barris – porque com 30 bilhões, até por US$ 1 vale a pena produzir”, calcula Marcio Mello.

E, na realidade, descobriram que o sal age como um colchão, amortecendo a pressão, e que possui condutividade que permite a passagem de calor. Também já sabem que o óleo aprisionado nessa camada de rochas tem entre 28º e 30º API e viscosidade por volta de 1 cP – além disso, cada um dos dois poços testados em Tupi indicaram taxa de vazão entre 15 mil e 20 mil barris diários. Mas a companhia ainda fará mais uma bateria de poços e testes de longa duração para ter certeza se vale a pena tirar ele de lá. No seu Centro de Pesquisas, um grupo de técnicos agrupados no recém criado Programa Tecnológico para o Pré-Sal – Prosal se dedicam a desvendar essas formações geológicas e buscar soluções para a uma operação até agora sem referencias na indústria do petróleo.

Para conhecer melhor as características da reserva da área de Tupi – que abriga entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris – a Petrobras programou para o próximo ano um teste de longa duração a partir de um poço conectado a um FPSO com capacidade para produzir de 30 mil a 40 mil barris por dia – e um projeto piloto, com capacidade para 100 mil barris/dia, em 2010. Produção para valer, só a partir de 2011 ou 2012 – até lá deverá ter encontrado respostas também para os desafios de extrair e exportar o petróleo e o gás estando a 286 km da costa.

A idéia da Petrobras é construir um gasoduto ligando as unidades de produção do cluster a plataforma que será instalada no campo de Mexilhão, também localizado na Bacia de Santos, embora mais próximo da costa. Outra possibilidade é a instalação de uma unidade para liquefação ou compressão do gás e transportá-lo em navios. Há ainda a hipótese de construir uma usina termelétrica em alto mar – com transporte da energia ao continente.

Também será necessário desenvolver equipamentos que suportem as variações de pressão e temperatura a mais de 2 mil metros de profundidade – caso de arvores de natal, umbilicais e risers que também levem em consideração a presença de CO2. “Tecnologia temos – a questão é melhorar o desempenho em termos de custos e tempo”, aponta Bacoccoli.

O mercado calcula que pelo menos dez plataformas serão instaladas só nessa área de Tupi – os técnicos da Petrobras só terão certeza da produtividade da área quando finalizarem os testes de longa duração, mas, pelos volumes encontrados, não será nada espantoso que a produção alcance 1 milhão de barris diários. Deter uma reserva que pode variar de 5 bilhões a 8 bilhões de barris de petróleo – quase a metade das atuais reservas provadas do Brasil – é uma tentação e tanto – e pode levar a Petrobras ao 5ª lugar entre as maiores petroleiras do mundo mais rápido do que ela planejou. (Flávio Bosco)

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