Edição 295 • 2007

Novas ferramentas
Valpeiro / Petrobras
Empresas e universidades pesquisam como tecnologias baseadas em Inteligência Artificial agregadas aos atuais sistemas de identificação de vazamentos em dutos são capazes de aumentar o alcance da detecção
A Transpetro vai investir US$ 7,5 bilhões para ampliar a malha dutoviária brasileira – atualmente em 20 mil quilômetros de dutos operados pela empresa no País. O projeto representa o quarto maior programa do mundo, inferior apenas aos empreendimentos de China, Rússia e Índia. O investimento abrange construção de alcooldutos e polidutos. Quando o Governo Federal anunciou o PAC também incluiu a aplicação de R$ 15 bilhões em nova rede de gasodutos. Há ainda outros projetos privados, como o duto de aproximadamente 100 km que vai levar gás de refinaria da Refinaria Henrique Lage para a Petroquímica União.

A tendência é que os novos dutos só entrem em operação quando estiverem equipados com sistemas de detecção de vazamentos. Problema tradicionalmente indesejado, um acidente de escape de substâncias tóxicas no meio-ambiente tem se tornado ainda mais complicado – e caro.

Levantamentos recentes da indústria de petróleo no Brasil revelam custo de cerca de R$ 120 mil por m3 vazado. Um vazamento de 50 m³, por exemplo, poderá acarretar numa perda estimada em R$ 60 milhões. Danos ambientais e riscos a vidas humanas representam outro tipo de perda inerente ao problema.

O aumento da consciência ecológica na opinião pública e o maior rigor da fiscalização governamental adicionam aos custos problemas de imagem para as empresas. “Quanto melhor uma empresa estiver preparada para monitorar vazamentos, menores serão os danos com impactos ambientais, econômicos e de imagem. São prejuízos difíceis de serem mensurados e compensados”, diz o pesquisador Marcelo Selli, diretor da Inselli, empresa de engenharia e ciência aplicada, com atividades que incluem o ramo de detecção de vazamentos.

As principais causas de vazamentos em dutos no mundo são a corrosão, a movimentação de solo, danos externos, falhas na construção, e falhas no material. A realização de obras próximas à tubulação também oferece riscos ao equipamento.

Para identificar os vazamentos e minimizar os prejuízos, a indústria nacional de petróleo utiliza duas grandes famílias de detecção: os sistemas de balanço de massa (volume compensado) e a tecnologia baseada em ondas acústicas.

Não existem no Brasil estatísticas exatas, mas estimativas do mercado apontam que a maioria dos dutos equipados com sistemas de vazamento possuem aplicação de balanço de volume compensado - foi a principal tecnologia escolhida pela Petrobras durante os investimentos do Projeto Pégaso, após os acidentes ocorridos no Rio de Janeiro e no Paraná no ano 2000.

Segundo Selli, a tecnologia se baseia em equações matemáticas que descrevem a fenomenologia do escoamento – considera as propriedades físicas do duto e do fluido, as dimensões e características do duto e do meio em que a tubulação está inserida. “Suas aplicações são encontradas majoritariamente em escoamentos líquidos monofásicos e implementa modelos de cálculo em tempo real para ciclos de integração de desequilíbrios no balanço de massa”, explica.

Nas extremidades de injeção e descarga da linha são instalados transmissores de pressão, temperatura, vazão e densidade. Estas variáveis são adquiridas por unidades remotas (ou CLPs) conectadas via rádio (ou outro meio qualquer, como satélite, fibra ótica) e seus valores são enviados em determinada taxa de atualização aos estações que rodam o sistema de detecção de vazamentos (que é integrado ao sistema SCADA de operação do duto) para a execução dos algoritmos de cálculo e disparo de alarmes.

Este princípio de funcionamento detecta o problema com base na diferença entre as somatórias dos volumes que entram menos as quantidades que saem de um determinado volume de controle, sempre considerando a elasticidade do duto e a compressibilidade do fluido. De acordo com especialistas, o balanço de massa demanda um volume mínimo vazado para ativar o alarme, o que pode estar relacionado com as incertezas combinadas dos instrumentos de medição e das dimensões físicas do duto. 

Outra família de sistemas usada no Brasil é baseada no transiente hidráulico do vazamento. Quando acontece uma ruptura na parede da tubulação, o transiente pode ser detectado por sinal de pressão do escoamento e por vibrações através da tubulação. A tecnologia “escuta” o ruído existente dentro do duto e procura a assinatura característica de um ruído de vazamento que é diferente dos demais sons que existem na tubulação – onde estão instalados sensores acústicos de alta precisão em pontos estratégicos.

A diferença de pressão causada quando o duto é rompido se transforma em um ruído que viaja pelo fluido e pelo cano pelas duas direções. Os sensores escutam o som e passam a informação para unidades eletrônicas, que filtram esse sinal em busca da assinatura característica.

Assim que a assinatura é encontrada, a informação, por meio de um sistema de comunicação, é enviada para uma sala de controle, onde existe uma unidade mestre do sistema que tem uma visão geral de todas as remotas e sensores instaladas no duto. “A informação é processada e visualizada no sistema supervisório de um computador de uma forma amigável ao usuário, mostrando que há vazamento e indicando em que ponto ele ocorre”, detalha o gerente de negócios da Aselco, Jairo Prezzi. A empresa fornece sistemas acústicos para detecção de vazamentos. “O sistema é on line, monitora continuamente e detecta em segundos, para identificar o vazamento”, completa.
Demanda tecnológica

Segundo especialistas e usuários, os sistemas atuam hoje com relativo sucesso conforme suas restrições físicas de propagação de sinais. Mas os sistemas ainda podem melhorar. Os principais pontos demandados são:

- Maior redução dos prazos para identificação de derrames;
- Diminuição do número de alarmes espúrios;
- Aumento da sensibilidade para detecção de alertas de vazamentos reais;
- Melhor precisão na localização do vazamento;
- Capacidade para identificar derrames considerados pequenos.

Fonte: Pesquisadores e usuários

Pontos a melhorar

As tecnologias atuais têm operado para minimizar os efeitos negativos de possíveis vazamentos, mas os procedimentos antes eram considerados estritamente teóricos e impraticáveis para o período em que foram formulados.

Segundo especialistas e usuários, os sistemas atuam hoje com relativo sucesso conforme suas restrições físicas de propagação de sinais. “Já tem sistema operando com confiabilidade razoável, mas é preciso aumentar a segurança, principalmente porque dutos sempre percorrem extensões muito longas”, diz o coordenador da unidade de transferência de insumos básicos da Braskem, Capistrano Abreu.

De forma geral, ainda se busca maior redução dos prazos para identificação de derrames, diminuição do número de alarmes espúrios e aumento da sensibilidade para detecção de alertas de vazamentos reais. “Hoje, quando a sensibilidade do sistema é elevada para identificar um vazamento, o número de alarmes falsos pode também aumentar. O desafio é conseguir ter alta sensibilidade e baixo índice de alertas que não correspondem a vazamentos”, aponta Selli.

Este fator será considerado pela Braskem durante a avaliação para escolha de um sistema de detecção de vazamentos para implantação no eteno-duto que liga a sua Unidade de Insumos Básicos, localizada em Camaçari/BA, à Base de Vinílicos da empresa, instalada na cidade de Maceió/AL – a tubulação tem seis polegadas de diâmetro e percorre 500 quilômetros.

Entre as tecnologias de balanço de massa e acústica, será priorizado o sistema que demonstrar maior confiabilidade na fase de testes. “Nessa extensão de 500 km, o etenoduto passa por diversas comunidades. Necessitamos de confiabilidade. Se ocorrer um evento, precisamos saber do problema com brevidade para ter como atuar rapidamente. Tempo de resposta curto é fundamental”, explica Abreu.

A empresa reitera a busca por equipamentos com baixos índices de alarmes espúrios – enterrado, o duto percorre regiões de difícil acesso. “Não podemos deslocar uma equipe para um local distante, ir até lá averiguar e observar que o alarme foi falso”, completa o coordenador da Braskem.

Outras demandas são uma melhor precisão na localização do vazamento e capacidade para identificar derrames considerados pequenos. “A detecção precoce de pequenos vazamentos de hidrocarbonetos não é possível pelos métodos tradicionais da indústria do petróleo, baseados na queda da pressão nos dutos e inspeções locais. Assim, graves contaminações de solos e de aqüíferos superficiais podem ocorrer ao longo de meses e anos sem serem detectados”, argumenta o pesquisador Carlos Roberto de Souza Filho, professor do Instituto de Geociências da Unicamp.

Imediatas ações de contingência são consideradas fundamentais para definição da dimensão do impacto e nos custos causados por uma ruptura na tubulação. Estudos desenvolvidos no Brasil buscam, porém, comprovar que o emprego de Inteligência Artificial em projetos de monitoramento é capaz de oferecer diminuição do período entre a ocorrência de um acidente, sua detecção e respectivas tomadas de ações – além de atender às outras necessidades tecnológicas da detecção de vazamentos.

Segundo o pesquisador Paulo Seleghim Júnior, professor da Escola de Engenharia de São Carlos – EESC da USP, as novidades tecnológicas em IA podem aumentar o alcance da detecção. “A Inteligência Artificial pode até acelerar mais o tempo de detecção porque está baseada em informações que podem se propagar na parede da tubulação a 5 mil metros por segundo. O processamento é mais rápido”.

O professor aponta outras vantagens proporcionadas pela Inteligência Artificial. Uma delas é a possibilidade adaptar a sua tecnologia às especificidades de cada aplicação. De acordo com Seleghim, a IA oferece possibilidades de combinação das informações geradas por diferentes tipos de sensores para mostrar a evidência de um vazamento. “Pode-se medir pressão acústica, pressão de escoamento, ondas mecânicas que se propagam pela parede da tubulação, vibrações, vazões. Estes sinais são fisicamente diferentes, mas as Inteligência Artificial permite extrair a informação contida nesses sinais e combiná-las”.

Vazamentos no mundo

Principais causas em dutos:

Fonte: Aselco

Inteligência Artificial + tecnologia acústica

O Núcleo de Engenharia Térmica e Fluidos – Netef da EESC fechou recentemente uma parceria com a Aselco. Criada para administrar exclusivamente a área de desenvolvimento de tecnologia detecção de vazamentos, a nova divisão da empresa, denominada Technologies, está transferindo sua sede da capital paulista para São Carlos, onde começa a funcionar em agosto, segundo previsão do gerente de negócios, Jairo Prezzi.

A transferência demandou investimentos de aproximadamente R$ 2 milhões. “É interessante ter a empresa em São Carlos porque a cidade concentra o centro de desenvolvimento da tecnologia. Nada melhor do que estar próximo. A Aselco está absorvendo mão-de-obra formada na USP”.

Na EESC está estruturado um laboratório de termodinâmica e fluidos, além de instalações voltadas para testes em fluxos multifásicos. A Universidade construiu, em parceria com a Aselco, um duto (loop) de quase um quilômetro de extensão onde vazamentos são simulados. “São feitos testes e simulações de vazamento e desenvolvimento software básico. Aquilo que se desenvolve é simulado aqui. Testamos se os algoritmos funcionam. Então, o coração das novas tecnologias está nascendo aqui”, confirma Prezzi.

Em fase de gestação estão estudos para criação de novas famílias de Inteligência Artificial, que podem ser integradas no futuro ao sistema SLDS (Sonic Leak Detection System), oferecido pela Aselco no Brasil – o equipamento se baseia na detecção acústica de vazamentos. “Estamos desenvolvendo novas funcionalidades para acomodar situações cada vez mais complexas”, revela Seleghim.

Segundo Jairo Prezzi, com a Inteligência Artificial, a empresa pretende oferecer ao produto final maior sensibilidade, melhor precisão de localização – além de ampliar a confiabilidade para não eliminar completamente a possibilidade de falsos alarmes.

Uma das primeiras novidades incorporadas deve ser um sistema capaz de se auto-corrigir, já em fase avançada de desenvolvimento. Com a funcionalidade, o produto poderá se adaptar a novas situações não existentes no período em que foi configurado – como uma modificação na instalação ou a inserção de uma outra bomba na linha, por exemplo. “É como o carro flex fuel. A base tecnológica é semelhante.”, compara Seleghim.

Os sistemas atuais de detecção de vazamentos identificam o problema apenas depois da sua ocorrência – a partir do rompimento da tubulação. Ainda não existem equipamentos que prevêem um vazamento. A USP e a EESC já iniciaram estudos para desenvolver um sistema de detecção preditiva. A pesquisa ainda está em desenvolvimento, mas, de acordo com o pesquisador, o produto estará comercialmente disponível em alguns anos.

Conforme Seleghim, o sistema estudado preveria um vazamento com base em princípios semelhantes ao usados por um médico para observar iminência de um problema em um paciente. O sistema vai analisar parâmetros e aspectos que facilitam a ocorrência de problemas causadores de um vazamento. “Vamos inspecionar a tubulação e identificar se está ocorrendo uma deterioração que pode causar um vazamento”, explica.

Os estudos também buscam agregar outras funcionalidades ao sistema que não correspondem somente à detecção de vazamentos dentro do duto. Jairo Prezzi adianta que a curto prazo será possível identificar ruídos localizados em áreas próximas ao local de instalação dos dutos. Se a tecnologia foi desenvolvida, o usuário poderá saber se existem escavações ou obras que ameaçam a tubulação.

Seleghim acredita que o desenvolvimento e a aplicação de algoritmos capazes de reproduzir habilidades inteligentes provavelmente resultarão em avanços tão expressivos quanto foram o uso do vapor no início da Revolução Industrial – ou a introdução do computador a partir da Segunda Guerra Mundial. “A evolução em Inteligência Artificial é constante. Os sistemas nunca ficarão prontos, serão sempre evoluídos. A medida que os matemáticos vão descobrindo novidades, nós analisamos se essas evoluções da matemática se aplicam à detecção de vazamentos”.

Loop construído na EESC, em São Carlos: simulações observam eficiência dos algoritmos

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